ARACAJU/SE, 23 de abril de 2025 , 13:17:43

Estudos revelam efeitos nocivos da maconha no cérebro dos mais jovens

 

Foi um estrondo. Em 1971, ao declarar guerra às drogas, o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, lançou uma cruzada de proporções globais que criminalizou o consumo de psicoativos como a cannabis e paralisou as pesquisas que investigavam os riscos e os potenciais benefícios de seus princípios ativos.

A iniciativa, como se mostrou anos depois, resultou improdutiva tanto na contenção de usuários como no combate ao crime organizado. Plantou, ainda, ideias equivocadas, como a noção de que a maconha queima neurônios ou sempre é uma porta de entrada para o vício. Só a partir da década de 2000 as coisas tomariam outro rumo, com a proliferação de estudos controlados sobre os impactos, inclusive terapêuticos, dos componentes da erva.

Mais recentemente, com a popularização do uso medicinal, a balança pendeu para o outro lado, deflagrando a concepção — também errônea — de que as moléculas da cannabis seriam uma panaceia contra uma profusão de doenças. Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. Os compostos da planta demonstram, sim, propriedades positivas ao organismo em algumas circunstâncias. Hoje, a maioria das pesquisas a atestar benefícios na contenção de sintomas de problemas neurológicos é baseada em substâncias isoladas da erva, como o canabidiol.

“Estudos recentes demonstraram sua eficácia diante das formas resistentes de epilepsia e no alívio de dores crônicas causadas por lesões nos nervos”, diz o neurologista Luis Otavio Caboclo, professor da Faculdade Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Os canabinoides também são alvo de experimentos para condições como ansiedade, autismo e doença de Parkinson — mas sem resultados suficientes para justificar a aplicação clínica por ora.

No terreno do consumo recreativo, embora muitos mitos ainda sejam divulgados, novas pesquisas apontam ameaças ao cérebro, particularmente quando o uso ocorre na juventude. E isso ficou mais evidente devido à expansão de plantas mais potentes em termos de THC (um dos principais componentes psicoativos da cannabis, responsável pelo “barato” da droga) e da venda de concentrados feitos para cigarros eletrônicos.

A alta concentração de THC não só está por trás do efeito psicoativo agudo, como também dos possíveis danos aos neurônios entre pessoas com menos de 25 anos — justamente aquelas cuja massa cinzenta ainda está em desenvolvimento. É o que indicam investigações científicas publicadas em periódicos conceituados: o uso crônico e intenso na flor da idade aumenta o risco de dependência, surtos psicóticos, perda motivacional e lapsos de memória. É mais uma prova de como a maconha, a exemplo de outras drogas, como o álcool, está longe de ser completamente inofensiva.

Outro sinal de fumaça veio de um levantamento no Canadá que acusou um aumento no índice de pessoas com esquizofrenia após a legalização da maconha na região de Ontário. A grande ponderação, segundo as evidências disponíveis, é que essa relação se dá não necessariamente porque a droga causa o transtorno psiquiátrico, mas porque indivíduos com o distúrbio são mais propensos a usar substâncias psicoativas. Não à toa, a proporção de esquizofrênicos no mundo não disparou, mesmo com a explosão no uso nas últimas décadas. Independentemente disso, a descoberta serve de um grande alerta para os legisladores.

É por isso que a confiança na ciência é o melhor farol para guiar decisões sobre a utilização recreativa ou mesmo medicinal. E, sim, o contexto faz toda a diferença. Se hoje se sabe que podem ocorrer danos em circuitos cerebrais em um cérebro em formação, também já está claro que, na maturidade, em vez de queimar neurônios, substâncias da planta podem estimular a produção de novas células — uma boa notícia aos idosos, mais propensos à degeneração neural. Separar o joio do trigo nesse sentido é tarefa complexa — a flor da Cannabis tem até 500 componentes que podem se misturar em seus efeitos positivos ou colaterais —, porém necessária.

E, enquanto as pesquisas avançam em suas descobertas, o bom senso e o esclarecimento da sociedade devem prevalecer. Um aspecto positivo: graças aos bem-vindos ventos da descriminalização do consumo, que também chegaram ao Brasil, os estudos sobre a planta começaram a se multiplicar. “Precisamos de mais educação a respeito do produto, da mesma maneira que aconteceu com o cigarro e o álcool”, diz o psiquiatra Antônio Nardi, da Academia Brasileira de Ciências. A cabeça agradece.

Fonte: VEJA

 

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