ARACAJU/SE, 4 de julho de 2024 , 18:27:17

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Falta de foco é fenômeno que aumenta com excesso de estímulos e telas

 

É difícil conseguir a atenção plena da empresária Marina Lopes, de 37 anos. Em meio a um telefonema e trocas de mensagens, ela está no carro levando um vestido para passar. Enquanto volta para casa, abre uma reunião com os funcionários de sua agência de marketing digital. “Já tentei criar uma rotina, mas me saboto o tempo todo. Estou com dificuldade de tomar decisões, são muitas coisas na cabeça. De repente, desfoco, vou para o celular, e nem lembro o que estava fazendo antes. Também não tenho mais memória”, explica. Marina já teve dois burnouts e teme estar prestes a viver o terceiro se continuar no atual ritmo de vida. “Tento caminhar, meditar, mas não adianta. Queria viver sem telefone”, desabafa.

Os sintomas descritos por Marina não são mera coincidência da era digital. Estamos cada vez menos concentrados e nossa atenção se esvai com o tilintar ou a vibração das notificações no celular. Sem surpresas, o aparelho tem sido a maior fonte de captura de tempo e da queda de produtividade e foco. Segundo pesquisa de 2022 feita pela King’s College London com 2.093 pessoas, 50% dos usuários de smartphones “não conseguem parar de verificar os aparelhos quando deveriam estar concentrados em outras atividades”. Já 49% acham que a capacidade de atenção está mais curta do que costumava ser no passado.

A neurocientista da UFRJ e sócia da empresa Nêmesis (que oferece assesoria e educação corporativa na área de Neurociência Organizacional) Thaís Gamero explica que o cérebro não tem a capacidade de processar vários estímulos ao mesmo tempo com a mesma qualidade de atenção. “É como uma lanterna: quando a apontamos para vários lugares, não iluminamos nada direito”, ilustra. Além do avanço da tecnologia, soma-se ao problema a riqueza de estímulos sociais. “Os ambientes das grandes cidades são muito acelerados, e isso naturalmente faz com que a nossa atenção se disperse. Também orientamos as pessoas a entenderem que não somos multitarefa.”

Mesmo tendo consciência, é impossível para a gerente comercial Jordanny Karolina da Silva, de 33 anos, fazer uma coisa de cada vez. E, claro, concentrar-se nelas. Atualmente, está com quatro livros inacabados e sofre para ajudar a filha, Arya, de 6 anos, nas tarefas escolares. “Nunca fui diagnosticada com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), mas faço um milhão de coisas antes de terminar algo que comecei. No fim do dia, estou exausta”, conta. A situação piorou após a gravidez, e ela vê a menina repetindo o seu comportamento. “Tirei o tablet porque a professora disse que ela estava desconcentrada em aula. Tento levá-la na pracinha, brincar e fazê-la interagir com outras crianças.”

A psicóloga Anna Lucia Spear King e o pesquisador Eduardo Guedes, ambos do Delete, centro do Instituto de Psiquiatria da UFRJ*, realizam pesquisas sobre o impacto das tecnologias na saúde. O projeto tem uma equipe voluntária que orienta pacientes sobre o melhor uso dos dispositivos digitais. “As telas produzem uma enxurrada de substâncias que causam prazer. De repente, o trabalho, a escola, tudo ficou muito lento e sem graça. Essa rotina tecnológica diária faz com que não tenhamos mais paciência e atenção com nada”, afirma Anna Lucia.

Ambos são categóricos: adotar uma “etiqueta”, quando on-line, pode evitar depressão, ansiedade, e, entre outros sintomas, a falta de foco. Meditação e exercícios físicos também são bem importantes no processo. “É preciso educação e limites: definir momentos de pausa, comer devagar, não ir com o celular para a cama e ter um sono de qualidade. Isso vale especialmente para a Geração Z, que já nasceu conectada. O digital é uma extensão da realidade, mas ela não acontece na tela”, orienta Guedes.

Afinal, há tanta vida lá fora…

*Quem precisar de orientação ou atendimento, pode entrar em contato com o Instituto Delete pelo email: contato@institutodelete.com

Fonte: O Globo

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