Segunda-feira, 6h. O despertador toca e, antes mesmo de os olhos se abrirem, uma lista de tarefas começa a ser criada: levantar, tomar café, levar o filho à escola, ir ao trabalho, passar no mercado, na academia, arrumar a casa, tomar banho, jantar e voltar para cama. Para dar conta das demandas, as 24 horas passam em ritmo intenso, e corpo e mente só relaxam (ou tentam) de novo na hora de dormir. Essa aceleração parece ser a norma da vida moderna, mas não para um grupo de pessoas: os praticantes do “slow living” ou movimento slow.
Engana-se quem pensa que se trata de preguiçosos. Pelo contrário, as ideias do movimento não se opõem a ambições e desejos profissionais, acadêmicos, familiares, entre outros que exigem dedicação e esforço. No entanto, buscam interromper o “modo automático” e alcançar um equilíbrio para evitar as consequências nocivas, e amplamente conhecidas, dessa “corrida frenética”, que vão desde o adoecimento mental até o risco aumentado para inúmeras doenças.
— Vivemos numa sociedade da aceleração, do cansaço, e no modo automático quase nunca paramos para agir, nós reagimos. O movimento slow propõe entendermos a importância de parar e respeitar nossos ritmos individuais, para vivermos com mais satisfação. Muitas pessoas encaram como ser lento, preguiçoso, mas é sobre ter respeito a si mesmo e, ao desacelerar, conseguir viver o prazer das coisas simples — explica a presidente do Movimento Slow Portugal e fundadora do Sowise time lab, um projeto no país dedicado à sustentabilidade humana, Sofia Pereira.
Os envolvidos no movimento, porém, reconhecem que a visão geral ainda é equivocada e enxerga o “slow living” como “vender tudo e ir morar no alto de uma montanha”, conta o psicólogo e filósofo brasileiro Malone Rodrigues, especialista em Psicologia Positiva e autor do livro “Meditação slow”:
— É na verdade uma busca de dar consciência ao estilo de vida que vivemos. Em relação ao trabalho, como posso gerenciar meu tempo de forma saudável. Nas férias, refletir se eu preciso viajar e conhecer vários lugares correndo e não conseguindo relaxar. Na área da saúde, escutar o paciente com calma. É sobre tomar consciência e gerenciar o tempo em busca do equilíbrio, e não da multitarefa, da lógica o fazer mais em menos tempo. Mesmo trabalhando, tendo vida social, há como viver de forma mais cadenciada.
A origem do “slow living” vem da Itália, de 1986, depois que um grupo protestou contra a abertura de um Mcdonald ‘s na Piazza di Spagna, uma praça no coração da capital Roma. Os críticos condenavam a instalação de um “fast food” num dos locais mais tradicionais do país, onde a cultura está intimamente ligada à comida e aos hábitos criados ao redor das refeições. Após impedirem o “fast food”, surgiu o contraponto “slow food”, que preza pela comida feita com mais dedicação e menos pressa.
A partir daí, a ideia se espalhou para outros campos, como o “slow travel”, que envolve tirar a pressão de aproveitar cada segundo de uma viagem, e o “slow medicine”, que busca um cuidado à saúde com mais calma e mais foco no paciente. Todos esses movimentos, cada um com suas particularidades, compartilham uma base em comum: a desaceleração da vida.
— A “slow medicine” propõe uma medicina sóbria, em que fazer mais não significa necessariamente fazer melhor. Ela questiona o uso abusivo de tecnologias quando ele deixa de lado as relações humanas. A medicina é uma ciência e uma arte em que a conexão humana tem um valor fundamental, mas a atual prática é muito fragmentada e superficializada, afastando-se do ponto central que é o paciente — explica o geriatra José Carlos Campos Velho, coordenador do Slow Medicine Brasil.
Tendência de alta
Para a psicóloga e analista junguiana Sylvia Mello Baptista, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e professora de cursos da entidade, há uma busca crescente pelo movimento slow que surge como uma resposta à aceleração também cada vez mais intensa da sociedade:
— Esses movimentos são quase uma gangorra, quando estamos muito no extremo, como fomos acelerando, a outra ponta acaba aparecendo como uma forma de compensar o excesso. Vemos meditação, ioga, crescendo muito por causa disso e de um olhar mais integrado do corpo também. Na hora que você está mais presente, seja a atividade qual for, você percebe o quanto essa separação entre o corpo e a psique é artificial, as duas coisas andam juntas.
Rodrigues concorda e lembra que os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) colocam o Brasil como o país mais ansioso: — Se estarmos sempre no futuro, querendo resolver tudo com o pensamento à frente, vamos viver nessa corrida frenética de fazer muitas coisas sem dar conta de nenhuma. Claro que há quadros sociais, econômicos e políticos que influenciam o contexto de cada um. Mas é uma forma geral de vida acelerada que tem levado as pessoas ao adoecimento.
Sylvia diz ainda que a aceleração acontece em primeiro lugar porque a sociedade “empurra as pessoas para uma otimização constante do tempo”. Segundo ela, isso tem afetado até mesmo os tempos de descanso, gerando um ciclo de culpa que dificulta os momentos de desaceleração.
— Chega muito em nossos consultórios, pessoas sem condições psíquicas de usufruir de um tempo livre porque o trabalho ganhou uma proporção tão grande na vida que ela está sempre em função de uma lógica de mais produção em menos tempo. E às vezes no próprio lazer tem uma corrida. Vou viajar e preciso conhecer todos os lugares, fazer todas as atividades. As redes sociais alimentam isso, porque criam uma necessidade de acompanhar tudo a toda hora que é ilusória, porque isso é impossível.
Em Portugal, Sofia conta que o movimento tem ganhado espaço especialmente com foco em preservar a saúde – e consequentemente até mesmo a capacidade produtiva – de trabalhadores: — Há uma sensibilização cada vez maior no sentido de bem-estar. Até porque essa filosofia tem mostrado um impacto positivo no desempenho dos trabalhadores. As pessoas já não acham mais normal estarem disponíveis 24 horas por dia.
As 5 dicas para aderir ao movimento slow
1. Desligue o piloto automático
A diretora do Programa de Envelhecimento Bem-Sucedido do Instituto Benson-Henry de Medicina Corpo-Mente, afiliado à Universidade de Harvard, Laura Malloy, defende que não é preciso fazer grandes mudanças para aderir ao movimento slow. Ela sugere incorporar práticas na rotina aos poucos “para que, com o tempo, ele se torne uma parte mais natural do seu comportamento”.
Em artigo publicado sobre o tema, ela lembra que muitas tarefas, como tomar banho, escovar os dentes, tomar banho, fazer um café, lavar a louça, são feitas em modo automático, mas recomenda que o ideal seria concentrar-se em completar apenas uma atividade por vez: “Isso ajuda você a se engajar até terminar a atividade, proporcionando uma sensação de satisfação e apreço, o que reforça ainda mais os benefícios de desacelerar”, diz.
Também no contexto de sair do automático, Sofia sugere olhar para como gerenciamos as 24 horas: — É sobre estarmos atentos e mapearmos tudo aquilo que fazemos, nem que seja mentalmente. Com isso, vamos analisar todas essas tarefas para entender o que realmente é importante. Muitas vezes realizamos ações no piloto automático que nos geram ansiedade, estresse, porque não respeitamos nossos limites — diz a presidente do movimento de Portugal.
2. Desconecte-se por 15 minutos
No artigo, Laura dá como sugestão separar de 15 a 20 minutos por dia para se desconectar completamente do mundo e não fazer nada: “Isso força seu corpo e mente a desacelerarem, e você pode perceber como se sente revigorado após desconectar-se por um tempo”.
3. Ao longo do dia, tenha momentos de reflexão
Uma dica semelhante trazida por Sofia é de agendar pausas ao longo do dia para refletir o quão presentes estamos em nossas atividades: — Pararmos para respirar e refletir se estou realizando aquela tarefa no meu próprio ritmo ou se estou acelerando, o que impacta negativamente no meu desempenho. Muitas vezes colocamos alarmes no telefone para isso. Respirações lentas ajudam a recalibrar. E aí retomamos a tarefa no nosso ritmo.
4. Evite o multitarefa
Ela recomenda evitar ao máximo a prática da multitarefa, quando realizamos diversas atividades ao mesmo tempo: — Ela é uma ilusão muito poderosa, que dá a sensação de que somos muito produtivos. Mas a ciência mostra que o nosso cérebro não está preparado para fazer várias coisas ao mesmo tempo, então é o contrário. É muito importante fazermos uma tarefa de cada vez, para conseguirmos realizá-la de forma verdadeiramente presente.
5. Faça uma caminhada consciente
Laura, de Harvard, também diz que as caminhadas são bons exercícios para treinar essa atividade de atenção plena no “estar presente”: “Não foque em chegar rapidamente do ponto A ao ponto B. Em vez disso, preste atenção ao seu redor e use todos os sentidos. Observe a paisagem, os sons dos pássaros, o cheiro do ar e como o sol aquece sua pele”.