ARACAJU/SE, 30 de janeiro de 2025 , 22:43:57

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Por que adolescentes usam moletom mesmo no calor? Psicólogos respondem

O fenômeno não é exclusivo do Brasil, o meteorologista americano Marshall Shepherd, professor da Universidade da Geórgia, onde dirige o Programa de Ciências Atmosféricas, nos Estados Unidos, publicou um artigo na revista Forbes em que fala sobre o assunto.

“Eu tenho um filho de 15 anos que usa moletons de manga comprida no meio do verão quente da Geórgia. Recentemente, tuitei sobre isso e muitas pessoas comentaram catarticamente”, escreveu o especialista. Mas por que a prática parece ser algo comum entre adolescentes ao redor do mundo?

Para o psicólogo Matheus Karounis, mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio), onde também é professor, o hábito “revela muito sobre o complexo mundo das emoções juvenis” e “vai muito além de uma simples escolha de vestuário”.

— Imagine o moletom como uma espécie de cobertor de segurança emocional. Durante a adolescência, período marcado por intensas transformações físicas e emocionais, esta peça de roupa pode se tornar um refúgio. É como se o tecido macio e volumoso criasse uma barreira protetora entre o adolescente e um mundo que, muitas vezes, parece intimidador — explica o especialista, que é membro associado da Associação de Psicologia Americana (APA).

Ele conta que o moletom torna-se um “escudo, permitindo que o jovem se ‘esconda’ quando se sente vulnerável ou inseguro com seu corpo em transformação”. O psicólogo Ricardo Milito, diretor científico do Instituto Bem do Estar, também acredita que a preferência pelo item entre os mais jovens tem uma relação com as inseguranças características da adolescência:

— As mudanças corporais podem causar grande desconforto emocional. Há o surgimento de pelos, o desenvolvimento de órgãos genitais, aumento da altura, ganho ou perda de peso, e tudo isso faz com que o adolescente se sinta desconfortável e inseguro com a própria aparência. Por isso, muitos preferem roupas largas e confortáveis para esconderem seus corpos e se sentirem mais seguros. Pode até ser uma tentativa de “desaparecer” um pouco, evitando olhares ou comparações.

Anne Crunfli, psicóloga especializada em Transtornos de Ansiedade pela Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e filiada ao Beck Institute Cognitive Behavior Therapy Certified do Canadá, explica que até os 10 anos as referências de socialização do indivíduo são as figuras de afeto primário, como pai e mãe. Porém, por volta dos 11 anos, a influência de colegas, e de suas opiniões, passa a ser maior, o que leva às comparações que criam o cenário de insegurança, agravado com as redes sociais.

— O meio externo é ampliado e a comparação passa a ser uma regra de entendimento do seu lugar no mundo. Aqui inicia-se o grande problema, porque antes a comparação era com pessoas do bairro, escola, clube, enfim, pessoas próximas. Mas com as redes sociais, ela ficou muito mais ampla, injusta, fictícia e utópica. Uma grande vitrine com filtros, inteligência artificial, vidas recortadas, editadas e perfeitas, passam a ser o universo de comparação. A consequência desse padrão inatingível e injusto, reflete-se em uma epidemia de ansiedade e baixa autoestima entre os jovens — diz.

Outra possibilidade apontada pelos especialistas para o uso do moletom em dias quentes é que a peça faça parte de um comportamento de determinado grupo social: — O moletom pode representar identificação com certas tribos urbanas, como geeks e nerds, por exemplo. Nesse caso, ser uma forma de expressão e uma maneira de se mostrar parte de algo maior — diz o professor da PUC – Rio.

Já Milito explica que a escolha em meio às altas temperaturas também pode ser simplesmente um ato de rebeldia. — A adolescência é uma fase marcada por mudanças e pelo questionamento de tudo o que foi aprendido. E a rebeldia é uma forma dos jovens tentarem afirmar sua existência e identidade se distanciando das regras e expectativas dos adultos e da sociedade — diz.

O psicanalista Maico Costa, coordenador do Centro de Humanização e do Centro de Gestão do Cuidado de Pessoas, ambos da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), concorda que o moletom, como outras peças mais comfortaveis, podem “funcionar como um mecanismo de segurança e proteção psíquico”.

No entanto, ressalta que a escolha da peça de roupa “não pode ser reduzida a um único fator”, já que envolve um “conjunto complexo de questões subjetivas que dizem respeito ao corpo, ao olhar do outro, ao pertencimento social e às formas individuais de lidar com a angústia”.

Sinais de alerta

Sobre às possíveis relações entre o moletom e a saúde mental do jovem, Karounis orienta que pais e educadores estejam atentos se o hábito é acompanhado de outros sinais de alerta, como isolamento excessivo ou mudanças significativas no humor e comportamento.

— O moletom pode ser apenas uma preferência fashion inofensiva, mas também pode ser um pedido silencioso de ajuda e compreensão, tanto para ou outro, quanto para si mesmo — diz o psicólogo.

Milito cita de exemplo que, em alguns casos mais extremos, o moletom serve para esconder sinais de automutilação: — Pela dificuldade que os adolescentes encontram para se adaptar às mudanças dessa fase, infelizmente, alguns jovens se automutilam, e o moletom acaba sendo um recurso para esconder as marcas.

Para Karounis, nesses casos a “chave está em manter um diálogo aberto e acolhedor, criando um ambiente onde o adolescente se sinta seguro para expressar seus sentimentos”. — Essa fase é uma jornada de autodescoberta, e cada jovem encontra suas próprias formas de navegá-la — diz.

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