A Organização Mundial da Saúde classifica como “demência” as doenças que afetam a memória, o raciocínio e a habilidade de desempenhar atividades do cotidiano. Entre elas, a Doença de Alzheimer é a mais comum, sendo responsável por entre 60% e 70% dos casos. Segundo a OMS, em 2021, 57 milhões de pessoas no mundo tiveram algum tipo de demência e ela é a sétima maior causa de mortes em pessoas idosas em nível global.
Um dos maiores problemas em relação ao Alzheimer é o quão pouco a ciência sabe sobre essa doença. Sabemos, por exemplo, que a idade e a genética são fatores importantes, mas que há muitos outros que podem contribuir para sua existência. Também ainda não temos uma cura, apenas tratamentos que aliviam e desaceleram os sintomas.
No entanto, um estudo recente, feito por pesquisadores da Harvard Medical School (EUA), pode dar novas pistas sobre essa doença misteriosa. Ele estudou 8,9 milhões de pessoas que morreram em um período de três anos e sobre as quais havia dados sobre sua ocupação no atestado de óbito. Descobriu-se que, entre esse grupo (no qual apareciam 443 empregos diferentes), os motoristas de ambulância e motoristas de táxi eram os profissionais que menos morriam de Alzheimer.
Entre os motoristas de táxi, o Alzheimer foi responsável por 0,91% das mortes, ao passo que, entre os motoristas de ambulância, foi responsável por 1,03% das mortes. Entre os executivos de empresas, por exemplo, o índice de óbitos por Alzheimer foi de 1,82%, porcentagem que está mais próxima à relativa à população em geral.
Essa tendência, vale dizer, não foi observada em outras profissões relacionadas a transporte. Por exemplo, o Alzheimer foi responsável por 2,34% das mortes dos pilotos de avião e 2,12% das mortes dos capitães de navio — esses índices estão entre os maiores da pesquisa. Motoristas de ônibus, por sua vez, apresentaram a cota de 1,65% de mortes causadas por Alzheimer, o que ainda não chega aos índices dos motoristas de táxi e ambulância.
Mas qual o motivo?
O estudo não oferece uma resposta definitiva sobre o porquê de haver essa diferença para essas duas profissões específicas. Uma possível explicação é que empregos que exigem habilidades espaciais e de navegação em tempo real com frequência alteram tanto a estrutura quanto a função do hipocampo, que é uma estrutura do cérebro crucial para a formação e consolidação de memórias.
Se esses empregos ajudam a manter o hipocampo saudável, isso poderia explicar por que as mortes relacionadas ao Alzheimer, mas não as mortes por outros tipos de demência, são menores para quem dirige táxi e ambulância. Há estudos mais antigos que detectaram que pessoas com esses empregos demonstraram um aumento de tamanho em partes do hipocampo — se for verdade que essas profissões geram um maior uso ou estímulo dessa área, então esse aumento fica explicado.
Os autores sugerem que os motoristas de outros veículos diferem desses dois por geralmente navegarem por rotas pré-determinadas, as quais exigem menos respostas e comandos de navegação em tempo real. Por causa disso, elas podem não estimular tanto o hipocampo.
O que dá para aprender com isso
É claro que o estudo não é perfeito. Os próprios autores citam alguns pontos a levar em conta. Por exemplo: embora se saiba as profissões dos falecidos quando eles morreram, não se sabe por quanto tempo eles ocuparam essas posições e nem se tiveram outros empregos ao longo da vida. Há também o fato de que pessoas com Alzheimer consideram mais difícil a tarefa de navegação, portanto evitam esse tipo de emprego.
Outro ponto importante é que, às vezes, essas ocupações trazem pra mesa fatores que complicam essa associação. Por exemplo, é possível que pessoas cuja ocupação ao longo da vida seja dirigir um táxi ou ambulância tenham menos probabilidade de fumar do que outras. Como o tabagismo é um fator de risco para o Alzheimer, a menor taxa de fumantes pode ser o que contribui para o menor número de mortes relacionadas ao Alzheimer, e não o táxi ou a ambulância em si.
O que nós, pessoas comuns, podemos tirar desse estudo é a sugestão (inconclusiva, porém interessante) de que tarefas de navegação ajudam a estimular o hipocampo e que isso, por sua vez, ajuda a prevenir o Alzheimer. Você não precisa virar motorista de táxi ou ambulância para tirar proveito disso: existem atividades que podem ter efeito similar, como montar quebra-cabeças ou cubo mágico. Até jogos de videogame podem ajudar, como Tetris e Minecraft – ou, quem sabe, tentar depender um pouco menos do GPS para os seus deslocamentos diários. Seu cérebro agradece.
Fonte: Revista Galileu