ARACAJU/SE, 7 de outubro de 2025 , 19:03:29

Racismo no sistema de saúde ameaça a vida de mulheres negras no Brasil

No Brasil, para cada 100 mil bebês nascidos vivos, cerca de 100 mulheres pretas morrem em decorrência de causas ligadas à maternidade. Entre as brancas, o número cai para 46. Os dados são da pesquisa Nascer no Brasil II, divulgada em 2022 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e reforçam que a cor da pele segue sendo um fator decisivo para a sobrevivência na gestação e no parto. O Observatório Obstétrico Brasileiro também aponta que mulheres negras estão entre as que mais sofrem com violência obstétrica e negligência nos atendimentos médicos.

Para Juliana Azevedo, mestre em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes (Unit), a violência obstétrica precisa ser compreendida como uma expressão de racismo. “Nos atendimentos de saúde, acredito que a violência obstétrica ou racismo obstétrico, como prefiro denominar, é a manifestação mais evidente entre as violações de direitos das gestantes. Mas existem ainda outras formas, como o racismo estrutural, religioso e até aquele mascarado em piadas ou brincadeiras”, explica.

Discriminação que interfere no diagnóstico e no tratamento

De acordo com Juliana, essa desigualdade nem sempre se mostra de forma clara, mas se insere em falhas que comprometem a vida das pacientes. “É preciso estar atento, porque muitas vezes a conduta discriminatória aparece disfarçada de descuido. A comunicação ríspida com pacientes e até suturas mal executadas em procedimentos cirúrgicos são exemplos disso”, afirma. Tais práticas, vistas por alguns como detalhes menores, podem agravar quadros clínicos e colocar em risco a saúde de mulheres negras.

Os impactos do racismo institucional não se limitam ao corpo físico. Juliana destaca que a saúde emocional também é diretamente afetada. “Infecções decorrentes de procedimentos mal realizados e o surgimento de quadros depressivos, inclusive no pós-parto, estão entre os desdobramentos mais comuns. Quando falamos de mortalidade, as mulheres negras continuam liderando os índices. O caso de Alyne Pimentel, que morreu em função da negligência médica, se tornou emblemático e levou à primeira condenação internacional do Brasil nesse tema”, recorda.

Avanços jurídicos e desafios persistentes

Embora o racismo já seja crime, Juliana destaca que ainda não há mecanismos específicos para lidar com suas expressões no campo da saúde. “Alguns estados contam com leis sobre violência obstétrica, mas poucas contemplam a questão racial. Protocolos como o Julgamento com Perspectiva de Gênero e o Julgamento com Perspectiva Racial são iniciativas importantes, mas ainda insuficientes. Precisamos de legislações e ferramentas direcionadas especificamente para essas situações”, avalia.

Na visão dela, a educação é um dos caminhos para reverter esse cenário. “Existe uma lacuna na integração entre Direito e Saúde na formação profissional. Há grande foco na técnica, mas pouco em Direitos Humanos. Defendo que essa disciplina seja obrigatória nos cursos da área da saúde. Sem essa base, dificilmente teremos profissionais preparados para enxergar o paciente além da doença”, argumenta.

Orientações para enfrentar situações de racismo

Diante de episódios de maus-tratos ou discriminação, Juliana recomenda que mulheres negras busquem alternativas. “Se for possível, é importante procurar outra unidade de saúde, além de recorrer à Defensoria Pública ou a advogados para ingressar com ações judiciais. O acompanhamento psicológico também é essencial, pois muitas vezes a violência física e a psicológica acontecem juntas”, orienta.

Ela acrescenta que iniciativas recentes têm apontado para avanços. Entre elas, o Projeto Nexo Governamental, da Universidade Federal de São Paulo, que prepara uma proposta de lei nacional contra a violência obstétrica, incluindo o racismo como agravante. Em Sergipe, a Lei Estadual de Enfrentamento à Violência Obstétrica, sancionada em 2025, também representa um marco. “Vale citar ainda a atuação da deputada Linda Brasil em defesa da saúde materna e os trabalhos da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SE, que têm ajudado a dar visibilidade a esse problema”, completa.

Uma questão de sobrevivência

A persistência da mortalidade materna entre mulheres negras evidencia a desigualdade racial no acesso à saúde. Falta de acolhimento, negligência e preconceito seguem comprometendo o direito à vida dessas mulheres. Para Juliana, superar esse cenário exige mudanças profundas em leis, políticas públicas e na formação profissional. “Cada vez mais se discute gênero e raça, e esse debate é essencial. Precisamos de legislações e práticas que contemplem os dois fatores de forma integrada. Só assim poderemos garantir que mulheres negras deixem de morrer por racismo dentro das instituições de saúde”, conclui.

Fonte: Asscom Unit

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