Dormir bem é importante em qualquer idade. Não é apenas um hábito recomendado para se manter alerta e com energia, mas, segundo profissionais, também é um hábito fundamental para se manter saudável. Não é por acaso que o campo de estudo dessa ciência se expandiu recentemente, levando ao surgimento da “medicina do sono”, bem como ao aumento do número de clínicas e hospitais especializados em examinar como a privação ou o excesso de sono podem ter consequências fatais para o desenvolvimento de doenças.
“Esta é uma etapa fundamental para a manutenção do equilíbrio, não apenas no cérebro, mas em todo o corpo. A homeostase — a capacidade do corpo de se manter internamente estável e responder a estímulos externos — depende da qualidade do sono”, revela o médico Daniel Cardinali, pesquisador emérito do CONICET (Instituto Nacional de Tecnologia) e professor emérito da Universidade de Buenos Aires (UBA).
Consequentemente, após centenas de estudos e pesquisas, e priorização por especialistas na área, foram desenvolvidas diretrizes de “higiene do sono” — nome dado a um conjunto de práticas que ajudam a manter um sono de qualidade e a prevenir distúrbios. Entre as mais recomendadas, a Sociedade Mundial do Sono menciona:
- Estabelecer horários regulares para dormir e acordar.
- Evitar o consumo excessivo de álcool quatro horas antes de dormir e evitar fumar.
- Evitar alimentos pesados, apimentados ou açucarados nas horas que antecedem a hora de dormir.
- Encontrar uma temperatura confortável para dormir e manter o quarto ventilado.
- Bloquear todos os ruídos que distraiam e eliminar o máximo de luz possível.
Um grupo de pesquisadores canadenses demonstrou, por meio de um estudo, que, quando as pessoas descansam adequadamente, seus cérebros se livram do que não precisam, semelhante a um processo de reciclagem de resíduos que ocorre nessa parte do corpo durante o sono. No entanto, o aspecto mais notável de sua observação foi que, quando as pessoas não dormem o suficiente, substâncias semelhantes a placas se acumulam, afetando a função cognitiva e aumentando a probabilidade de desenvolver demência na velhice.
O estudo, publicado na revista Science Advances, enfatiza que a perda crônica de sono envelhece prematuramente as células imunológicas do cérebro e pode levar a sérios problemas cognitivos. “No campo profissional, já se sabe que a falta de sono reparador está ligada à manutenção de processos inflamatórios crônicos, considerados a base de todas as doenças crônicas e não transmissíveis”, observa Cardinali.
Em declarações à CTVNews, o médico Andrew Lim, pesquisador principal do estudo e professor associado de neurologia na Universidade de Toronto, disse que os participantes que acordavam muito durante a noite ou tinham sono fragmentado demonstraram pior desempenho cognitivo nos testes.
De acordo com as conclusões do artigo, a falta de sono não só leva ao envelhecimento precoce, como também desencadeia a ativação anormal das células imunológicas do cérebro, que geralmente são ativadas apenas para combater patógenos e resíduos celulares.
“Tomamos banho em horários diferentes do dia, mas o cérebro o faz durante a fase de relaxamento lento do sono. Durante esse período da noite, ocorre um processo de fluxo glinfático, no qual uma corrente flui através do tecido cerebral da porção arterial para a venosa para eliminar resíduos”, informa Cardinali.
O médico explica então que atualmente há muito interesse nesse fluxo porque, aparentemente, quando ele é bloqueado, aumenta o acúmulo de proteínas anormais, como a Tau e a β-amiloide, que são conhecidas por causar doenças neurodegenerativas.
Danos irreversíveis?
De acordo com Lim, os participantes do estudo que dormiram melhor apresentaram células imunológicas mais jovens e menos ativadas, que os protegiam contra os efeitos negativos da doença de Alzheimer na cognição.
No entanto, o estudo canadense não é o único a confirmar isso; outras pesquisas já identificaram o quão prejudicial a falta de descanso pode ser para a saúde do cérebro.
Por exemplo, um estudo da Escola de Medicina de Harvard analisou mais de 2.800 pessoas com 65 anos ou mais que participaram do Estudo Nacional de Tendências de Saúde e Envelhecimento para observar a relação entre um padrão de sono autorrelatado em 2013 ou 2014 e o desenvolvimento de demência e/ou morte cinco anos depois. Os resultados mostraram que pessoas que dormiam menos de cinco horas por noite tinham duas vezes mais probabilidade de desenvolver Alzheimer e morrer, em comparação com aquelas que dormiam de seis a oito horas por noite.
Um segundo estudo chegou a uma conclusão semelhante. Pesquisadores europeus analisaram dados de quase 8 mil participantes e descobriram que dormir consistentemente seis horas ou menos aos 50, 60 e 70 anos estava associado a um risco 30% maior de demência em comparação com uma duração normal de sono de sete horas.
No entanto, como Andrew E. Budson, chefe de neurologia cognitiva e comportamental do Sistema de Saúde VA de Boston, aponta em um artigo de opinião, “nem tudo são más notícias”: existe a possibilidade de reduzir o risco de desenvolver demência se você começar a dormir o suficiente. Como evidência disso, o neurologista cita um estudo conjunto da Universidade de Toronto e da Universidade de Chicago que examinou pessoas com maior risco genético de desenvolver Alzheimer.
Após seguirem rigorosamente um plano de higiene do sono para melhorar o sono, elas demonstraram reduzir suas chances de desenvolver o transtorno e desenvolver emaranhados cerebrais, uma substância que se acumula nos neurônios e causa demência.
Por fim, Cardinali enfatiza que outro fator relacionado a esses problemas é o estado de alerta. “Após a pandemia, verificou-se que não está tão claro que um determinado número de horas de sono dependa da idade. Portanto, o único elemento que precisa ser avaliado é a qualidade do estado de alerta: se for adequado, a qualidade do sono também será adequada”, afirma.
O que isso implica? Segundo o especialista, significa que uma pessoa tem boa função cognitiva, um nível de atenção sustentado e não apresenta sonolência excessiva durante o dia.
Fonte: O Globo