ARACAJU/SE, 2 de junho de 2025 , 4:45:07

Bebês reborn ‘viralizam’ nas redes sociais em meio a polêmicas e criações de projetos de lei

 

Nas últimas semanas, as bonecas reborn — brinquedos realistas que imitam bebês — tomaram conta das redes sociais, com vídeos de mulheres carregando, “dando à luz” e até levando ao hospital os objetos. O assunto gerou fascínio e também polêmica, com números projetos de leis federais e municipais criados para multar, por exemplo, quem levar o boneco em unidades de saúde.

Mas a chamada arte reborn não é de agora. A prática de criar bonecas realistas surgiu nos anos 1990, nos Estados Unidos, quando artesãs começaram a transformar brinquedos comuns usando técnicas de pintura, enraizamento de cabelo e ajustes de peso e textura. O objetivo era criar réplicas perfeitas de bebês humanos, tanto para colecionadores quanto para fins terapêuticos.

Com o tempo, a prática se profissionalizou. Foram criadas comunidades de entusiastas na internet, com direito a encontros de colecionadoras e das chamadas cegonhas — as artesãs que produzem as bonecas. Cada reborn pode custar de R$ 1 mil até R$ 10 mil, dependendo do nível de detalhamento.

Trabalhando com bebês reborn desde 2021, Victoria Rodrigues conta que atende principalmente mulheres entre 25 e 45 anos, colecionadoras ou que querem presentear outra pessoa com o brinquedo, geralmente crianças ou pessoas idosas.

“Eu tenho um cliente, por exemplo, que comprou a bebê para dar para a avó dela, que tem 94 anos. Ela já é uma senhora com problemas de Alzheimer, já tem um pouco de demência, e usa a boneca de forma terapêutica, para ser como um acalanto. Ela relembra dos filhos que já criou, cuida do bebezinho como se fosse de verdade”, diz a artesã da Grande Florianópolis.

Sucesso e controvérsia

Recentemente, um desses encontros, no parque Ibirapuera, em São Paulo, acabou sendo o ponta-pé para a febre dos bebês reborn. O jornalista Chico Barney foi até o local e produziu um vídeo com mulheres demonstrando extrema preocupação e cuidado com as bonecas, como se elas fossem reais.

Na mesma época, o Padre Fábio de Melo “adotou” um reborn com Síndrome de Down durante uma visita à Maternidade de Bonecas da MacroBaby, em Orlando, na Flórida. O tema gerou fascínio, pelo nível de detalhes do brinquedo, mas também críticas de que a prática seria uma “maluquice” e que muitas pessoas dão às bonecas tratamentos como se elas fossem reais.

Com isso, começaram a vir à tona vídeos com encenações em que donas de reborns simulam a rotina de mães reais. Apareceram os partos, as maternidades e os modelos de boneca reborn com batimentos cardíacos.

Segundo a artesã Victoria Rodrigues, essas atitudes não passam de estratégias para divulgar a prática reborn:

“Tem muita criança que me descobre, ou descobre outras artistas, ou colecionadoras, porque ficam assistindo vídeos no YouTube, TikTok, Instagram, e ficam encantadas. E aí os vídeos contam aquela historinha: “hoje vamos colocar o nenenzinho pra dormir, vou trocar a roupinha, etc”. Essas artistas normalmente fazem isso justamente pra monetizar seus canais nessas plataformas”.

“Algumas mulheres adultas fazem coleção, montam um quarto, colocam na prateleira, tudo bonitinho. É igual um quarto de gamer, cheio de videogames, de coisas que o homem gosta. A arte reborn seria o contrário, com coisas que a mulher gosta”, diz.

Questão de saúde?

De acordo com a psiquiatra Júlia Trindade, colecionar bebês reborns não representa um transtorno na maioria dos casos. O problema surge quando a pessoa perde a noção da realidade.

“Em alguns casos, a gente pode ter um quadro psicótico, em que a pessoa acredita que aquele bebê é uma criança e trata como tal. Isso tem um adoecimento, porque a pessoa tem prejuízo na vida, provavelmente vai deixar de fazer coisas da vida dela, como não trabalhar, não se relacionar com outras pessoas, porque tá preocupado o tempo inteiro com aquele boneco. A gente tem quadros que pode acontecer, mas isso é raro”, alerta.

Para Ligia Moreiras, doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e criadora do projeto Cientista Que Virou Mãe, a prática reborn é atravessada por significados sociais. Evidencia, por exemplo, as diferenças sexistas que marcam brincadeiras de homens e mulheres desde a infância.

“Brincadeiras “de meninos, de homens” são sempre relacionadas a elementos que lhes confere status, poder, comparação, disputa ou agressividade: carro, avião, arminha, espada, etc. Já as “de meninas, de mulheres” parecem sempre associadas ao trabalho do cuidado: cuidar de bebês, limpar a casa, ensinar, etc. Esse sexismo é um problema”, pontua.

Segundo a pesquisadora, há uma pressão social sobre as mulheres para serem mães, algo não exigido dos homens.

“A vida das mães reais é bastante desafiadora e permeada de injustiças, desigualdades e exclusões. Quando uma mulher performa ser mãe de um boneco, há uma estereotipação da maternidade que não faz bem a ninguém, mas especialmente às mães reais, que são tratadas como uma “brincadeira”.

Bebês reborns se tornam projetos de lei

Por outro lado, começaram a surgir notícias de pessoas levando o brinquedo em hospitais — em Itajaí, por exemplo, uma mulher procurou um posto de saúde para simular a aplicação de vacina na boneca da filha dela, de 4 anos, a pedido da criança. A intenção era postar nas redes sociais.

Por conta disso, um projeto de lei protocolado na Câmara de Vereadores de Itajaí quer proibir o atendimento médico para bebês reborn nas unidades públicas municipais de saúde. A proposta é do vereador Beto Cunha (Republicanos), que afirma que o objetivo é “evitar a confusão e o desperdício de recursos públicos e médicos […] além de prevenir possíveis riscos à saúde pública”.

Em Palhoça, o vice-prefeito em exercício, Rosiney Horácio, enviou ao legislativo um projeto de lei para proibir o uso de bonecos reborn em atendimentos nas unidades de saúde. Ele também publicou um vídeo em que aparece jogando uma boneca longe.

Em Chapecó, o prefeito João Rodrigues publicou um vídeo nas redes sociais classificando as atitudes de levar bebê reborn ao médico como “loucura”. Ele disse também que ordenou a internação involuntária de pessoas que levarem o objeto às unidades de saúde. Ele garantiu, contudo, que Chapecó não terá projetos de leis desta natureza.

“Se alguém inventar de entrar numa unidade de saúde e pegar uma ficha e levar bebê reborn para consultar, a ordem está dada: pode pegar o proprietário desse bonequinho e nós vamos internar involuntariamente. Porque a pessoa não pode estar bem”, disse, em vídeo postado no Instagram.

Um projeto de lei também foi apresentado na Câmara de Vereadores de Florianópolis pelo vereador Claudinei Marques (Republicanos), na segunda-feira (19). Ela visa a “assegurar a clareza e eficácia dos serviços de saúde pública, evitando possíveis equívocos que poderiam comprometer o atendimento prioritário a pacientes humanos”.

Na capital, não há nenhum caso de pessoas buscando atendimento para bebês reborn em unidades de saúde municipais, conforme a prefeitura. Nos hospitais estaduais, também não há registros de atendimentos a bonecos.

A tendência ocorre em todo o país. Projetoscontra bebês reborn foram apresentados no Congresso e há propostas tramitando nas Assembleias Legislativas de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba, Espírito Santo e Alagoas. Na contramão, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou a criação do “Dia da Cegonha Reborn” no calendário oficial da cidade.

A artesã Victoria Rodrigues diz que nunca conheceu pessoas que levam os bonecos ao hospital:

“Pode ter pessoas que têm algum tipo de transtorno, alguma demência. Mas das minhas clientes, a maioria usa para colecionar, brincar e não tratar como um ser real. Se tem esse tipo de caso, eu particularmente, nos anos que eu estou com a arte reborn, nunca vi”.

Para a especialista Ligia Moreira, as críticas às colecionadoras beiram o ataque e a ridicularização. Ela pontua que há um viés machista nesse tratamento.

“Muitos homens destinam muitas horas a hobbies que, para muitos, também são despropositais e nem por isso são julgados da maneira cruel com que essas mulheres têm sido julgadas. Talvez tenha havido uma amplificação do assunto, que nem é tão frequente assim, justamente porque se trata de mulheres, para quem já há um olhar menos acolhedor e gentil”, pontua.

Fonte: NSC Total

 

 

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