ARACAJU/SE, 16 de setembro de 2024 , 16:04:13

A carreata

O TRE determinou o recadastramento dos eleitores daquele Município, cuja sede municipal, pequenininha, não continha mais de uma pracinha, quatro ou cinco ruas e alguns becos. Diziam, brincando, os moradores das cidades circunvizinhas, que, naquela cidade, quando nela se entrava e buzinava-se no carro, já se achava fora da cidade. Gozação. De fato, foi apurado que no Município havia 208 eleitores a mais do que a população estimada pelo IBGE, depois do último censo demográfico. E não era a primeira vez. Ali, pois, as crianças votavam e ainda sobravam eleitores. Feito o recadastramento, o número de eleitores caídos, que eram de outros Municípios, somou 2.070, restando 4.108 eleitores genuinamente do Município ou com alguma relação com o mesmo: relação afetiva, econômica ou comunitária.

Enfim, chegou o novo pleito eleitoral municipal com os alvoroços de sempre. Mas, a oposição ao prefeito, que estava em campanha para a reeleição, cantava vitória antecipada, vez que a esmagadora maioria dos eleitores reprovados era do lado do prefeito Zé Vicente de Secundino do Gravatá. Um jovem dado a bebedeiras, mas alçado à condição de prefeito por força do pai, fazendeiro de bolso fundo e cheio, outrora também prefeito por duas vezes, tendo, a seguir, apoiado dois compadres para prefeito, ambos eleitos.

Dada a largada na campanha eleitoral do ano, Zé Vicente marcou logo uma carreata para abrir a campanha, largando à frente de Ivete Professora, assim ela se registrara como candidata da oposição, que tinha fragilidades financeiras, porém, tinha boa referência popular.

A carreata do prefeito Zé Vicente foi marcada para o primeiro sábado após a data de abertura das campanhas. Na cidadezinha não havia mais de 100 veículos, de um e de outro lado político. Não mais do que isso. No entanto, na carreata do candidato à reeleição, contavam-se nada menos do que uns 300 veículos, até carros funerários ali se encontravam. Eram da Funerária Céu Azul de um primo de Zé Vicente, empresário do ramo de enterros, na capital.

Dois minis trios alvoroçavam a cidadezinha. Motos barulhentas corriam daqui para ali. Uma zoada da desgraça tomava conta da pequena povoação. No Posto de Gasolina de Chico Perneta de Maneca do Grotão um servidor da Prefeitura despachava combustível para quem fosse à carreata. Vinte litros para os carros e cinco para as motos. Por conta da Prefeitura? Não se sabia. Isso era coisa lá entre o prefeito e o dono do Posto.

A carreata sairia da frente da casa de Zé Vicente. Marcada para sair às 3 da tarde, mas só sairia depois das 17 horas. Atraso do prefeito candidato à reeleição.

Na possante caminhonete do prefeito, lá estavam ele próprio e um pequeno aglomerado de cupinchas: o candidato a vice-prefeito, Tuca de Laudelino do finado Tonho Preto, os vereadores Pedro Canivete, Aurélio de Zé Rufino e Cocota Lambança, além de três apaniguados, estes rodeando Zé Vicente.

Foguetório. Muito foguetório desassossegando os pets e as pessoas com espectro autista. Uma pena! Os tempos mudaram, mas não para certas pessoas, que desrespeitavam os direitos alheios.

Manico de Maria de Aroldinho de Chico das Canas, engolindo mais um gole de pinga, olhou para a caminhonete de Zé Vicente. Colocou a mão esquerda sobre a vista. Abriu e fechos os olhos umas três vezes. Apurou a vista e gritou: “Zé Vicente, cabra safado! Ladrão! Você tá é morto, seu cabrunquento da peste!”. Um puxa-saco do prefeito quis tomar satisfação com Manico, primo em segundo grau de Zé Vicente. A turma de deixa-disso conteve a contenta. Então, alguém reparou bem na figura de Zé Vicente. E constatou: “Parece que ele está morto de verdade”. Os três apaniguados que rodeavam o prefeito na caminhonete, amparavam-no. Sim, ele estava morto mesmo. De cachaça.