ARACAJU/SE, 11 de maio de 2025 , 8:23:50

A derradeira eleição

No primeiro período republicano, entre 1889 e 1930, as eleições eram diferentes das atuais. Eram jogos decididos com antecedência. Cartas marcadas. Votos fraudados. O normal era o presidente da República escolher, se mineiro, um candidato a presidente paulista para sucedê-lo, ou, se de São Paulo, um nome de Minas Gerais para tanto. Os demais estados seriam contemplados na vice-presidência, nos ministérios e nos compromissos assumidos pelo governo central com as oligarquias regionais na manutenção do poder local.

Esse arranjo decorria, dentre outras variáveis, do modelo jurídico-constitucional da época. O federalismo decorrente da Constituição de 1891 era mais radical que o de hoje e propiciava as condições de advento de estruturas estaduais de poder que somente se faziam validar no âmbito federal, especialmente no Congresso Nacional, após uma “verificação”, realizada por uma comissão. 

Não havia uma Justiça Eleitoral para chancelar o resultado das eleições. Isso permitia que quem tivesse o poder momentâneo usasse-o para invalidar os votos adversários nos estados e os representantes enviados à Capital. Assim, cada estado-membro cometia suas arbitrariedades eleitorais que, por sua vez, eram confirmadas no âmbito federal. Havendo conflito, adviriam intervenções federais nos estados ou “degola” de mandatos pela comissão verificadora de poderes. 

Eleger o presidente e o vice era colecionar oligarquias. Quem tivesse mais, vencia. Os votos, que não tinham a garantia do segredo, nem a fiscalização da sua contabilidade, não eram manifestações dos eleitores, mas patrimônio pessoal de líderes estaduais, os coronéis. A violência – inclusive a física – integrava a gramática política daquele tempo.

De vez em quando, esse mecanismo não funcionava com facilidade. Em 1910, Ruy Barbosa (1849-1923) desafiou a candidatura situacionista do marechal Hermes da Fonseca (1855-1923) e mobilizou uma força popular desconhecida até então. Foi a Campanha Civilista. Perdeu, mas deu trabalho. Em 1922, Nilo Peçanha (1867-1924), que já fora presidente, formou a Reação Republicana, mas não conseguiu vencer Artur Bernardes (1875-1955), candidato de Epitácio Pessoa (1865-1942).

Mas, em 1930, o caldo entornou de vez. Washington Luís (1869-1957), paulista, resolveu indicar o presidente (como eram chamados os governadores, na época) de São Paulo, Júlio Prestes (1882-1946), para sucedê-lo. Isso indignou os mineiros, que tinham por certo que a vez era deles. Quebrou-se o acordo tácito da “política do café com leite”.

As relações entre os dois estados não ia bem já há algum tempo. Interesses relacionados ao café (que ambos produziam em moldes diversos), política cambial e temas econômicos afins, geravam descontentamento nos mineiros, que enxergavam a pretensão de hegemonia paulista com desconfiança.

Quebrado o pacto implícito, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946), presidente de Minas, foi em busca dos gaúchos e encontrou Getúlio Vargas (1882-1954), seu homólogo dos pampas, disposto a ser candidato presidencial nacional. Embora cheio de reservas, receoso de retaliações, foi forçado por sua base estadual e aceitou ser cabeça de chapa. A Paraíba formou a terceira linha dessa fissura oligárquica oposicionista, indicando o seu presidente, João Pessoa (1878-1930), como candidato a vice. Três ex-presidentes da República apoiavam essa coligação: Venceslau Brás (1868-1966), Epitácio Pessoa e Artur Bernardes. Era a Aliança Liberal.

Mas o governo federal tinha todos os demais 17 estados. Como as oligarquias regionais eram poderosas e entregavam os votos – quase sempre fraudados – aos candidatos por ela apoiados, a vitória de Prestes era dada como certa. Ele tinha por candidato a vice o baiano Vital Soares (1874-1933).

A campanha foi inflamada. Houve caravanas oposicionistas e comícios enormes em várias regiões. As pautas eram mudancistas: envolviam voto secreto, anistia aos militares revoltosos de levantes nos anos anteriores e uma diversificação da pauta econômica nacional. Na Câmara, o apoio à Aliança Liberal chegou a 70 dos 213 deputados. Os ânimos foram se exaltando a ponto de os discursos serem proibidos no Parlamento, o que levou os oposicionistas a usarem as escadarias externas para realizá-los. Em um momento extremo, o deputado governista pernambucano Sousa Filho (1886-1929) foi morto pelo deputado gaúcho Simões Lopes (1866-1943), que agiu em legítima defesa.

Não foi o único caso fatal. O mineiro Mello Viana (1878-1954), então vice-presidente da República, mudou de lado de seus conterrâneos e passou a apoiar a candidatura de Prestes. Em um evento de campanha em Montes Claros, seu grupo político enfrentou os adversários e houve cinco mortos e vários feridos, um dos quais Viana. A disputa escalava em violência.

Ao final, o resultado oficial foi o esperado: nas eleições de 1º de março de 1930, Prestes teve 1.091.709 votos contra 742.724 de Vargas. Vital Soares teve 1079.360 contra 725.566 de João Pessoa.

A oposição reclamou de fraudes, embora Vargas, para desespero de seus correligionários, tenha reconhecido a derrota. Em São Paulo, Prestes teve mais de 320 mil votos. Vargas apenas 30. Era evidente que algo estava errado. Dos dois lados, aliás. No Rio Grande do Sul, Vargas teve 295 mil votos e Prestes apenas mil. 

Washington Luís tratou de desmobilizar os adversários. Ao invés de incorporar as oligarquias vencidas ao âmbito dos vencedores, como sucedido em vezes anteriores, adotou medidas severas. Todos os deputados federais da Paraíba foram “degolados” e 17 mineiros também. Os gaúchos, que tinham reconhecido a derrota, foram poupados.

As divergências entre Minas e a Paraíba com o governo federal se tornaram insuportáveis. Dentro do Rio Grande do Sul, Vargas foi forçado por Oswaldo Aranha (1894-1960), Flores da Cunha (1880-1959) e outras lideranças, a reagir, aderindo a um movimento revolucionário. A temperatura aumentava incessantemente. As coisas pioraram quando João Pessoa foi assassinado, em uma confeitaria, em Recife, em 26 de julho daquele ano. Embora o fato não tivesse relação com a política nacional, foi usado como elemento catalizador da insurreição. 

A mobilização dos vencidos foi grande e eles pegaram em armas. Era uma novidade. Nas derrotas de 1910 e 1922, apesar do inconformismo, os derrotados não reagiram à força opressora do governo federal. Mas, agora, os oposicionistas deflagraram um golpe de estado, sob forma de guerra civil, em 3 em outubro de 1930. 

Acumulando derrotas, vendo a progressão dos insurgentes, Washington Luís, aconselhado pelo cardeal Sebastião Leme (1882-1942), decidiu se entregar em 24 de outubro, quando foi deposto. Ficou preso no Forte de Copacabana e terminou exilado, dias depois, em 20 de novembro. Prestes também foi para o exílio. É um caso único de presidente da República oficialmente eleito, absolutamente impedido de tomar posse na história brasileira.

A Revolução de 1930 deu ao país um breve período de administração de uma Junta Governativa Militar, composta pelos generais Tasso Fragoso (1869-1945) e Mena Barreto (1874-1933) e pelo almirante Isaías de Noronha (1874-1963). Após dias de negociação, ela deu posse a Getúlio Vargas na presidência da República em 3 de novembro de 1930. 

A República Velha terminou. Começava a Era Vargas e, com ela, novas estruturas jurídico-políticas (e revitalizadas violências, também).