ARACAJU/SE, 7 de setembro de 2024 , 20:44:50

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A fonte do sítio de vovô Aristides

O que fazia mamãe aumentar o tom de voz era a presença minha e de Bosco perto da fonte, do lado esquerdo da casa, bem próxima a cerca, no sítio de vovô Aristides. Do que guardei, ao seu redor, havia um minúsculo morro, já totalmente coberto de vegetação rasteira, fruto da areia da escavação. De um dos lados, que não sei mais o qual, um mandacaru solitário, cujos frutos redondos e vermelhos me atraiam a atenção. Só. Cercada por todos os lados, o capim tomava conta. Não era a única fonte do sítio. Havia outra, lá para dentro, pequena. Uma vez, menino, cheguei até lá e vi um dos tios tomando banho. Quando ocupamos o sítio, a segunda fonte não fazia parte de nossas incursões pelo seu interior. Nossas, digo, minha, de Bosco e de Alba, seguindo os caminhos já demarcados. Desses avanços, um cajueiro perdido no meio do mato e ovos de urubu no chão, que a gente corria de perto com medo. Medo de um ovo de urubu? Sim.

A fonte da frente da casa é que nos atraía, não sei explicar o motivo. Com receio do que podia nos acontecer, as advertências de mamãe subiam de tom, o receio de algum filho nela se afogar, o que fazia com que não ocorresse de nossa parte nenhuma aproximação, a fonte lá, se enchendo quando chovia, a gente cá, cada um vivendo sua vida. Da rua, passando ao lado, a cerca não impedia que a fonte ficasse escondida. Acredito que mamãe deve ter respirado aliviada quando retornarmos a morar na cidade. O quintal da casa alugada – a nossa estava ocupada -, era de solo duro, onde só mamoeiro conseguiu subir. Não tinha fonte, para o alívio materno.

O centro urbano comeu a fonte. Digo, casas foram construídas em parte da área que era do sítio. A fonte dançou. Primeiro, derrubaram a cerca, o que foi o grande pecado, para não dizer o erro gigantesco, ou o crime fatal. A fonte ficou desprotegida, mercê de todos que por lá passavam. O real, que tanto chocou a vizinhança, é que duas meninas, de três para quatro anos, irmãs, caíram na fonte. Não sei bem explicar como aconteceu. O fato só foi percebido quando os dois corpos começaram a boiar. Mamãe me revelou o acontecido com a voz embargada. Da fonte os filhos se mantiveram distantes. Mas, a fonte, satanicamente, ao perceber que ia ser aterrada, deixou escapar seu lado perverso, levando dois anjos que pelas suas águas foram atraídos.  Morreu matando.

                                                                 Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras