ARACAJU/SE, 29 de agosto de 2024 , 12:52:26

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A primeira lei eleitoral

Em 1821, o Brasil fez a sua primeira eleição geral para enviar a Lisboa representantes que redigiriam o texto constitucional do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. As lealdades no Brasil se dividiam: ora para as Cortes e o governo constitucional embrionário, ora para D. João VI e seus poderes absolutos. Províncias ora se subordinavam ao Rio de Janeiro, ora a Lisboa. Alguns representantes eleitos foram a Portugal, outros ficaram no Brasil. Enquanto a constituinte transcorria, sobreveio a declaração de emancipação, o famoso Brado do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822.

Mas, ainda antes desse instante, em 1º de outubro de 1821, foi convocada uma eleição para as juntas provisórias governativas de províncias, chamada por D. João VI, já obedecendo às diretrizes da vitoriosa Revolução Vintista, que findara com seus poderes absolutos.

Essas eleições provinciais ocorreram em graus e foram diferentes da que havia elegido os constituintes para as Cortes de Lisboa, naquele mesmo 1821. Nestas, o eleitorado geral, nas freguesias, elegeu os “compromissários”, que selecionaram os “eleitores de paróquia”, que votaram nos “de comarca”, que, ao final, escolheram os deputados provinciais. Quatro etapas, portanto.

Nas eleições para as juntas, não havia, entretanto, “eleitores de comarca”. Os “eleitores de paróquia” iriam para a capital da província votar. O último dos quatro graus de votantes foi suprimido.

A Câmara de Olinda, confusa com a novidade, encaminhou uma consulta a D. Pedro, que havia sido deixado na condição de regente do Brasil, indagando se deveria realizar novas eleições para escolha dos “eleitores de paróquia”, ou se poderia aproveitar as que foram realizadas pouco antes, e, com tais nomes, realizar a escolha dos representantes. A resposta, encaminhada por José Bonifácio em 11 de julho de 1822, foi a de que cada província poderia decidir como lhe aprouvesse, renovando todo o ciclo eleitoral ou aproveitando o colégio paroquial já existente.

O momento era tumultuado e o Brasil sentia que Portugal estava prestes a usar a constituinte para desconstruir as conquistas alcançadas no período joanino, no qual o lado de cá do império era a sede do governo. Havia, em paralelo às reformas liberalizantes, um nítido intuito recolonizador nas Cortes, ou, quando menos, de transferência dos poderes de volta para Lisboa. Com esse espirito, D. Pedro foi chamado a retornar para a Europa, no final de 1821. Em 9 de janeiro de 1822, recusou-se, no famoso Dia do Fico.

Nesse embate político, algumas províncias dirigiam-se diretamente a Lisboa e recusavam autoridade ao governo no Rio de Janeiro. D. Pedro em 16 de fevereiro de 1822, determinou eleições para procuradores-gerais provinciais, a fim de formar um conselho que seria uma espécie de representação dos brasileiros, buscando evitar que as províncias se associassem às Cortes. Era uma clara afronta a Lisboa. O método eletivo foi semelhante ao do pleito para as juntas, ocorrido pouco antes.

O ritmo do conflito ia aumentando. Em 3 de junho de 1822, antes mesmo da Independência, D. Pedro convocou uma Assembleia Legislativa e Constituinte, com portugueses e brasileiros viventes no território do Brasil. Era um aberto enfrentamento das Cortes de Lisboa, cujos caminhos não agradavam aos políticos do lado de cá do Atlântico. Para muitos, esse foi, realmente, o ato decisivo emancipatório.

O processo de escolha dos representantes dessa primeira assembleia realmente brasileira aproveitou-se das experiências precedentes. Veio, então, a primeira lei eleitoral do Brasil, em 19 de junho daquele ano, decretada por D. Pedro.

Por ela, o eleitorado geral escolhia os “eleitores de paróquia”, que, por sua vez, escolhiam os deputados constituintes. O sistema que tivera quatro graus e fora reduzido a três nas eleições para as juntas e para procuradores, passou a ter apenas dois.

Nas “instruções”, como eram conhecidas as leis eleitorais de então, foi introduzida oficialmente a exigência de renda para votar, ao afastar do sufrágio todos aqueles que recebessem salários ou soldadas, exceto em circunstâncias excepcionais. Mulheres, menores de 25 anos e escravizados já estavam alijados do direito ao sufrágio.

Os eleitores, que podiam ser analfabetos, compareciam para a votação, que era precedida de uma missa. Votavam e uma junta apurava os escolhidos para a etapa seguinte. O número destes era estimado previamente pelo pároco. Seguia-se, ao final desse estágio, uma celebração em ação de graças.

Quinze dias depois, reunidos na “cabeça do distrito”, os “eleitores paroquiais” escolhiam o presidente da junta eleitoral. No dia seguinte, após a missa, votavam nos deputados provinciais. A junta apurava e, após a identificação dos mais votados, encaminhava a lista deles para a capital provincial.

Na câmara da capital, as cartas eram abertas, os votos somados e os mais nominados eram declarados eleitos para a representação, sendo, na sequência, realizado um “te deum”.

Esse foi o sistema eleitoral aplicado nas eleições gerais de 1823, as primeiras da nova nação. Ele será a base para a disciplina jurídica que constará da Constituição de 1824 e da legislação ulterior, na longa jornada de aperfeiçoamentos pelas quais o país passou desde então. Como registro, ficam as notas de que nesse estágio já se anteveem figuras que remanescem até hoje, como as consultas em matéria eleitoral e as instruções reguladoras dos pleitos.