A explosão da corrupção no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), revelada por uma investigação que expôs um esquema bilionário de fraudes em aposentadorias e benefícios, escancara mais uma vez o abismo ético e moral em que o Brasil está mergulhado. Mais de R$ 1 bilhão foram desviados por meio da atuação criminosa de servidores, advogados, intermediários e até beneficiários que, juntos, burlaram o sistema de concessões. Este novo escândalo não é uma exceção — é o reflexo de uma engrenagem corroída por práticas antigas, onde o Estado, em vez de servir à população, se transforma em trampolim para enriquecimento ilícito e sustentação de projetos de poder político. Essa engrenagem, que privilegia os de dentro e pune os de fora, já teve nomes e rostos bem conhecidos: mensalão, petrolão, Lava Jato. A diferença agora é que, a cada novo esquema revelado, a indignação pública se dissipa mais rápido, como se o absurdo tivesse se tornado rotina.
O caso do INSS apenas reafirma uma triste constatação: o crime de colarinho branco no Brasil não apenas compensa, como é frequentemente premiado com esquecimento, impunidade e até reabilitação política. O mensalão, que revelou o pagamento de propinas a parlamentares em troca de apoio político, foi um marco na compreensão do aparelhamento estatal. O petrolão, por sua vez, escancarou o uso sistemático da Petrobras como caixa partidária e fonte de enriquecimento pessoal. Já a Lava Jato, com todos os seus acertos e excessos, mostrou como a Justiça brasileira é seletiva: enquanto alguns réus foram presos com grande estardalhaço, outros foram inocentados, tiveram penas anuladas ou foram “descondenados”, voltando à vida pública com prestígio restaurado, mesmo diante de evidências contundentes. A mensagem é clara: a lei, no Brasil, ainda tem nome, endereço e partido.
Enquanto isso, o cidadão comum assiste, incrédulo, ao desmonte silencioso do serviço público. No caso do INSS, as fraudes comprometem não apenas o erário, mas a credibilidade de um dos principais instrumentos de proteção social do país. A cada real desviado, perde-se a chance de garantir um benefício legítimo para um idoso, um trabalhador incapacitado ou uma mãe solo que sustenta a família com um salário-mínimo. Os bilhões que foram parar nas mãos de fraudadores poderiam ter sido usados para equipar hospitais, garantir o fornecimento de medicamentos, investir em escolas públicas, ampliar o acesso à água potável ou até reforçar os sistemas de prevenção a desastres naturais que, ano após ano, ceifam vidas por negligência do poder público.
A raiz do problema está na captura das instituições por interesses políticos e econômicos. Governos que deveriam atuar com neutralidade administrativa se curvam à lógica do loteamento partidário, entregando cargos estratégicos para aliados políticos sem compromisso com a ética ou a competência. Esse modelo cria o ambiente ideal para fraudes, já que quem fiscaliza é, muitas vezes, aliado de quem deveria ser fiscalizado. Além disso, a atuação das agências de controle, como a Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e o próprio Ministério Público, esbarra em limites orçamentários, pressões políticas e aparelhamento institucional. O resultado é um ciclo vicioso onde o dinheiro público escorre pelo ralo da corrupção, e os responsáveis raramente enfrentam as consequências.
Romper com essa lógica exige mais do que boa vontade — exige reformas estruturais. É preciso fortalecer os mecanismos de auditoria em tempo real com uso de inteligência artificial e cruzamento de dados, garantir a autonomia total dos órgãos de controle, aplicar punições exemplares, inclusive com confisco de bens e devolução de valores, e reconfigurar a cultura institucional, valorizando a ética no serviço público desde a base. Além disso, o sistema judiciário precisa ser despolitizado e mais transparente em suas decisões. A seletividade na aplicação das leis corrói a confiança social e incentiva a reincidência dos mesmos esquemas com roupagens novas.
Enquanto o país não enfrentar de forma séria e profunda o problema da corrupção sistêmica, seguiremos convivendo com escândalos como esse. Escândalos que, além de roubar recursos, destroem sonhos, sacrificam vidas e perpetuam a desigualdade. O povo brasileiro não pode mais aceitar que governos sejam plataformas para partidos, nem que recursos públicos sejam vistos como prêmios eleitorais. O Brasil precisa de governantes com compromisso com a nação, e não com seus próprios grupos. De instituições que sirvam ao povo, e não a interesses escusos. A indignação popular precisa deixar de ser momentânea e se transformar em ação: exigindo transparência, acompanhando os gastos públicos, denunciando irregularidades e votando com consciência. Do contrário, seremos sempre vítimas dos mesmos algozes, apenas com nomes diferentes.