ARACAJU/SE, 4 de agosto de 2025 , 3:00:53

Alvoroço na Rua do Melão

A rua do Melão amanheceu cheia de gente. Um alvoroço da desgraça. Cada vez mais, chegavam pessoas dali de perto. A aglomeração maior ficava em frente à casa de João de Terto, afamado amansador de burros e cavalos xucros, para os pôr em cangalha e sela, a depender. Até Toitiço de Maria Fiinha estava ali, ele que não era de lorota, que não saía de sua casa, a não ser para o trabalho e para as estritas necessidades do dia a dia. Nunca se ouviu dizer que Toitiço se metera em rusga alheia de qualquer forma. Não, ele não!

Marcolino era cunhado de João de Terto, irmão de Almira, mulher do outro, por sinal uma prenda de esposa, uma mulher de dar gosto tê-la como companheira, tanto por sua serenidade quanto pelos seus distinguidos afazeres domésticos, com destaque para a boa culinária cabocla, daquela boca de sertão. Marcolino chegara agoniado, avisado que fora. Veio pela rua pensando no pior.

Ah, comer um lombo de frigideira, recheado, uma galinha caipira em cabidela, um mal assado de boi ou porco, com cobertura de ervas colhidas no quintal, quais fossem manjericão, alecrim cheiroso, erva doce, e até um belisco de pau de canela, era tudo de bom! O camarão com maxixe, salpicado de dendê, um espeto de carne de sol, banhada em manteiga de garrafa, um baião de dois, que Almira aprendeu com Carolina do finado Romualdo Peido Forte, gente de Mossoró, era tudo do bom e do melhor. Agora, falar nos doces, era brincadeira. As guloseimas que vinham de seus tachos, de suas panelas, de seu forno do fogão a lenha, eram para botar o freguês na rede, após o almoço, jiboiando a tarde inteira.

Toda aquela gente ali, bisbilhotando, a maioria nem sabia porque tinha parado, mas perguntava se o caso foi sério. Qual caso? Uma ou outra pessoa sabia dizer alguma coisa, por vezes sem nexo. Foi uma desgraça sucedida entre o marido e a mulher? Alguém tinha passado mal? Por que não chamaram o Dr. Silvino, o médico da Prefeitura? Prestativo que só ele, não se negaria a dar um socorro. Mas, o doutor estava viajando.

João de Terto teria descoberto uma traição de Almira, que o estaria chifrando com um safado qualquer, que deu com a língua nos dentes e acabou ocasionando uma doideira? Logo Almira, quem diria? Mulher de uma família de encardir, no caráter de cada uma, geração após geração. Quem tinha ouvido falar de um deslize das mulheres da família de Rodolfo Caninana? Ninguém, com certeza. Mulheres de bom proceder no contado. Não, daquela família de sertanejos, que por ali se arranchara para mais de meio século, corno ou égua nenhuma jamais teve o que dizer. Isso não!

João de Terto já levara um sem número de coices de animais em trabalho de amansamento. Nenhum que lhe botasse na cama. Teria sido o seu coração, que, de repente, deixou de bombear o sangue, como seu tio Dudu de Florentino, irmão de seu pai Terto de Florentino? Ninguém dizia nada, no meio daquele povaréu. Dudu de Florentino estava bem do seu, palitando os dentes, na fresca de agosto, debaixo do telheiro da frente da casa, quando tombou da cadeira de balanço. Estava morto. O coração pifou. Novo ainda, nos seus quarenta e seis anos, deixando viúva e cinco filhos.

Passava das nove horas quando Amâncio, curador de picada de cobra, saiu da casa de João de Terto com sua mochila de apetrechos diversos, tudo para enfrentar o veneno de muitas cobras, que naquilo ele era bom de verdade. Que ninguém duvidasse de sua competência. “Que se passou aí, ‘seu’ Amâncio”? Alguém indagou, ao que ele respondeu: “Nada de mais gravoso. Com a graça do Altíssimo, o menino tem salvação”. Foi-se, sem maiores explicações.

Pitoco, o filho mais velho de João de Terto e Almira, de sete anos, tinha sido picado por uma cobra, quando, cedinho, levantou-se e rumou para o fundo do quintal, para despachar-se na privada. Uma jararacuçu malha de sapo, entocada, armou o bote sem que o menino a visse a tempo. Socorrendo, ao grito do filho, João de Terto teve tempo de matar a serpente. Amâncio, vizinho de frente, cuidou do ferimento, fazendo uma incisão para chupar o sangue, antes que se espalhasse na corrente sanguínea. Aplicou uma beberagem. Fez o que mais era preciso fazer em caso que tal. Pitoco haveria de salvar-se.