Um dos temas mais interessantes no universo compartilhado da psicologia e do direito é o de como moldar as escolhas dos indivíduos. Nesse âmbito, uma das discussões significativas é acerca das intervenções conhecidas como “nudges”.
Esse conceito foi amplamente divulgado por Richard Thaler e Cass Sunstein no livro “Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade”, de 2008. Thaler é ganhador do Prêmio Nobel de Economia e Sunstein é professor de direito da Universidade de Harvard.
Os autores, cientistas comportamentais renomados, propõem que pequenas mudanças no ambiente de tomada de decisão podem influenciar positivamente o comportamento sem restringir a liberdade de escolha dos indivíduos. No Brasil, essa abordagem tem relevância em diversas áreas do direito.
Por exemplo: no campo das opções. No final da década de 1990, o Brasil adotava um sistema de “opt-out” para a doação de órgãos, estabelecido pela Lei nº 9.434/1997, conhecida como a “Lei dos Transplantes”. Nesse modelo, todos os cidadãos brasileiros eram considerados doadores de órgãos após a morte, a menos que tivessem expressamente registrado sua recusa em vida, por meio de um documento específico ou anotação na carteira de identidade ou habilitação.
O sistema de “opt-out” funcionava como um “nudge” ao presumir todos os indivíduos como doadores de órgãos por padrão. Esse modelo aproveitava a tendência natural das pessoas de evitar o esforço de tomar uma ação adicional (neste caso, a ação de se registrar como não doador) para aumentar o número de doadores potenciais.
A ideia por trás do “nudge” era facilitar a doação de órgãos, aumentando o número de órgãos disponíveis para transplante, uma vez que muitas pessoas que não se opunham à doação poderiam não ter tomado a iniciativa de se registrar como doadores em um sistema de “opt-in”.
No entanto, devido a questões práticas e culturais, esse sistema de “opt-out” foi alterado em 2001. O Brasil passou a adotar um sistema de “opt-in”, no qual a doação de órgãos só ocorre com a autorização explícita de familiares do falecido. A mudança foi motivada por dificuldades na implementação e na aceitação social do modelo de “opt-out” no país.
Embora o sistema tenha sido alterado, o exemplo inicial da doação de órgãos no Brasil demonstra como o uso de um “nudge” de “opt-out” pode ser aplicado em políticas públicas para incentivar comportamentos socialmente desejáveis, como a doação de órgãos. A experiência também mostra que, para que um “nudge” seja eficaz, é crucial considerar o contexto cultural e a aceitação social das medidas implementadas.
Além disso, mesmo no sistema hoje vigente, o só fato de o documento de identificação registrar a opção “doador” gera um ônus psicológico para a família, caso queira recusar a doação, o que ajuda a aumentar o número de doadores. Isso também é um “nudge”, um “empurrãozinho”.
“Nudge” é um termo que se refere a qualquer aspecto da arquitetura de escolha que altera o comportamento de maneira previsível sem proibir nenhuma opção ou mudar significativamente seus incentivos econômicos. Em outras palavras, um “nudge” é uma sugestão ou intervenção que torna certas escolhas mais prováveis, sem coagir as pessoas a seguirem um determinado caminho. A ideia se baseia no fato de que os seres humanos não são sempre racionais em suas decisões e frequentemente precisam de pequenos estímulos (ou “nudges”) para tomar decisões que sejam do seu próprio interesse.
Thaler e Sunstein, ao introduzirem o conceito, argumentam que é possível influenciar o comportamento das pessoas de maneira benéfica, respeitando sua autonomia e liberdade de escolha, por meio do que eles chamam de “paternalismo libertário”. Isso significa que as políticas públicas podem ser desenhadas para ajudar as pessoas a tomarem melhores decisões para si mesmas, sem excluir-lhes a autonomia.
Vale dar um outro exemplo no âmbito jurídico, um pouco mais complexo. O Código Civil de 2002 estabelecia que pessoas com mais de 70 anos, ao se casarem, estariam sujeitas ao regime de separação obrigatória de bens (art. 1.641, II). Essa norma tinha como intuito proteger os idosos de casamentos (ou uniões estáveis) por interesse, mas era uma indevida restrição à autonomia dos indivíduos, violando o princípio da dignidade da pessoa humana. Paternalismo nocivo, portanto.
Em 2024, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional essa norma, no âmbito ARE 1.309.642, sob o fundamento de que ela feriu o princípio da isonomia e o direito à liberdade de escolha, impondo uma restrição desproporcional aos idosos. A Corte deu a ela uma “interpretação conforme a constituição”. Entendeu que, ao impor o regime de separação obrigatória de bens apenas em razão da idade, o legislador estava presumindo de forma inadequada a incapacidade dos idosos de gerir seus próprios bens e tomar decisões informadas sobre seu patrimônio. Isso em um país em que o presidente da República é um septuagenário e alguns dos ministros do STF também o são.
Essa decisão do STF pode ser analisada à luz da teoria dos “nudges”. A imposição do regime de separação obrigatória de bens funcionava como uma prescrição legal que eliminava a liberdade de escolha dos indivíduos. Ao corrigir essa determinação, o STF fixou a seguinte tese: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.642, II do CC, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública.”
Isso significa que, na ausência de escritura pública, o regime de bens será o da separação. Contudo, os casais têm a liberdade de optar por um regime diferente, desde que manifestem essa vontade adequadamente. O maior número de casamentos, portanto, tenderá a ser tutelado pelo regime obrigatório de separação, mas ninguém poderá dizer que teve sua autonomia desrespeitada, porque poderá exercer a liberdade de escolha.
É de se notar que para os demais casais, de outras idades, o regime de comunhão parcial de bens é o legalmente previsto, o que também obriga quem dele discorde a procurar exercer a opção. É um “nudge” também.
A decisão do STF destaca a importância de considerar a psicologia comportamental no desenvolvimento de normas jurídicas. As leis e regulamentos podem e devem levar em conta como as pessoas realmente tomam decisões, e não apenas como deveriam tomá-las sob a ótica da racionalidade econômica pura ou mesmo de uma moralidade exterior ao indivíduo. O uso de “nudges” no direito deve ser cuidadosamente projetado para respeitar a autonomia dos indivíduos, oferecendo incentivos para escolhas benéficas sem restringir a liberdade.
A psicologia comportamental indica que as escolhas das pessoas podem ser influenciadas pela forma como as opções lhes são apresentadas. Estes casos demonstram como o direito, naquilo que não for obrigatório ou proibido, pode se beneficiar de uma abordagem comportamental, em que as normas são desenhadas não apenas para prescrever condutas, mas para facilitar escolhas informadas e voluntárias, respeitando a autonomia dos indivíduos e promovendo seu bem-estar em um contexto social mais amplo.