ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 6:59:27

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As metamorfoses

O cenário partidário brasileiro ostenta uma quantidade enorme de agremiações registradas no Tribunal Superior Eleitoral e com representação no Congresso Nacional. Além de muitas, elas estão em constante processo de reconfiguração: ora se fundem, ora são incorporadas, ora formam federações. Em eleições majoritárias, coligam-se. No parlamento, aglutinam-se em blocos. No governo, formam coalizão. Essa azáfama exaure os cientistas políticos e consome os jornalistas especializados.

A volatilidade dos partidos não é um fenômeno universal. Nos Estados Unidos, por exemplo, os dois partidos dominantes, com sua estrutura atual, foram fundados no século XIX: o Democrata, em 1828, e o Republicano, em 1854. Na Inglaterra, idem: o Partido Conservador é de 1834 e o Trabalhista de 1900. No Uruguai, também: os Partidos Nacional e Colorado nasceram em 1836.

A efervescência partidária brasileira, além disso, não vem de hoje: ela está enraizada na tradição nacional. Bem arraigada.

No Período Regencial (1831  a 1840), momento de transição política e instabilidade, marcado pela menoridade do herdeiro do trono, Dom Pedro II, as facções partidárias competiram ferozmente. Boa parte do país estava em guerra civil – em alguns casos, em tensão separatista.

A nação jovem e conflagrada não possuía um governo estável. Após a abdicação de Dom Pedro I, em 1831, seu filho, Dom Pedro II, tinha apenas 5 anos. Segundo a Constituição de 1824, não podia assumir o trono, até os 18 anos (artigo 122). Isso levou à criação de um governo regencial, também nos termos constitucionais (artigo 123).

Mas a política esculpe o direito, em especial o constitucional. Dada a instabilidade, o Brasil teve três formas de regências durante este período. Primeiro, a Regência Trina Provisória (1831), formada imediatamente após a abdicação de Dom Pedro I. Depois, a Regência Trina Permanente (1831-1835), sucessora da provisória, com um caráter menos volúvel. Por fim, a Regência Una (1835-1840), inicialmente liderada por Diogo Antônio Feijó, e, depois, por Araújo Lima.

O período foi marcado por várias rebeliões e conflitos, como a Cabanagem, a Revolta do Malês, a Balaiada, a Sabinada, e a Revolução Farroupilha. Estes conflitos refletiam tanto reivindicações sociais, quanto as tensões regionais e demandas por autonomia local.

Essas pressões provocaram mudanças constitucionais e legislativas. Foram feitas várias alterações na Constituição de 1824 para descentralizar o poder, por meio do Ato Adicional de 1834, que deu mais autonomia às províncias. Em seguida, veio uma reação centralizadora, com a Lei 105, de 1840. Por meio dessa lei foram dadas interpretações restritivas às competências provinciais conferidas no Ato Adicional.

Mas esses ajustes jurídicos não foram suficientes para garantir que a Constituição fosse respeitada ou que a estabilidade foram alcançada. Em 1840, com o Golpe da Maioridade, em afronta às previsões constitucionais, Dom Pedro II foi declarado apto a assumir o trono antes mesmo dos 14 anos, encerrando o período regencial e iniciando o seu longo reinado.

Retornando aos partidos e suas transformações. É bom lembrar que, durante o Primeiro Reinado, os principais grupos políticos eram o “Partido Português”, que representava os interesses da alta burocracia do Estado e dos comerciantes portugueses, e o “Partido Brasileiro”, que unia os interesses dos grandes proprietários agrários e dos liberais com maior inserção nas camadas urbanas. Esses agrupamentos transmudam-se, no Período Regencial, nos partidos Restaurador, Liberal Exaltado e Liberal Moderado.

Os “Caramurus”, ou Restauradores, sucederam o “Partido Português”. Este grupo era conservador: defendia uma monarquia centralizada e resistia às tendências liberais e federalistas. Sua influência foi decisiva na manutenção da ordem constitucional estabelecida.

Por outro lado, os “Jurujubas”, ou Liberais Exaltados, defendiam a descentralização do poder, o federalismo e até mesmo a implantação de uma república. Representando principalmente as camadas urbanas, os Jurujubas foram influentes na luta pela ampliação das liberdades constitucionais e pela autonomia administrativa das províncias.

Os “Ximangos”, ou Liberais Moderados, buscavam um equilíbrio entre a manutenção da monarquia e a adoção de reformas liberais. Eles apoiavam uma monarquia constitucional e defendiam a manutenção da unidade territorial do Brasil, favorecendo uma certa autonomia provincial. Sua influência foi crucial na formulação do Ato Adicional de 1834.

Com o Golpe da Maioridade, os partidos do Período Regencial sofreram metamorfoses e deram origem aos partidos políticos do Segundo Reinado. Os Liberais Exaltados e os Liberais Moderados evoluíram para o Partido Liberal, enquanto os Restauradores contribuíram para a gênese do Partido Conservador. Esses dois partidos, Liberal e Conservador, dominaram a cena política durante o Segundo Reinado.

A eles, mais adiante, como uma defecção do Partido Liberal, somou-se o Partido Republicano Paulista, impulsionado pelo descontentamento com a monarquia. Este partido refletia as aspirações de diferentes segmentos da sociedade, incluindo cafeicultores e profissionais liberais, que, além da queda do regime, buscavam maior autonomia regional e a abolição da escravidão.

As dinâmicas políticas do Período Regencial moldaram significativamente o Segundo Reinado. As experiências com rebeliões e disputas políticas influenciaram a governança de D. Pedro II, que se orientou por uma maior centralização do poder, em que pese alternar os partidos na condução do governo, via indicação para montagem dos gabinetes.

Diante dessa vetusta instabilidade partidária, a principal pergunta a se fazer não é por que há tantos partidos, mas quais interesses eles defendem. Isso é mais útil do que os rótulos, siglas, discursos e declarações programáticas. O caminho dos interesses conduz o ciclo vital dos partidos.