O filme ainda em preto e branco, tamanho pequeno, com todos os ingredientes do bom caubói: diligências atravessando regiões desérticas, índios a atacá-la, guardas a reagir, e, no momento exato em que a situação está preta e a solução deve vir do céu, a cavalaria americana aparece e os índios debandam para bem longe das câmaras. Estou como quero, vendo o que gosto, a atenção para todos os movimentos, notando [e ficando calado] a cena em que o índio, atingido, cai do cavalo, levanta a cabeça, e, parece, não tenho certeza, que recebe ordem para encenar o papel de morto, porque os tiros são sempre fatais. Nunca vi nessas cenas ninguém tomar um tiro para não morrer. E, aliás, se morrer, não faz falta nem se nota. Participa de outra cena, que não se vai perceber que se cuida de índio já falecido em cena anterior.
O importante é assistir outra vez os caubóis dos tempos do ginásio, e, desta vez com a atenção e discernimento diferentes, porque não é só ver e bater palmas, mas abrir espaço agora para adicionar o juízo crítico, a indignação ante pessoas que no saloon só fazem beber uísque de garrafas sem rótulos, homens que jogam pôquer e se debandam em duelos quando a trapaça ocorre, pessoas que permanentemente caminham nas calçadas e ruas em centro urbanos de pouquíssimas casas, os penteados caprichados das mulheres, que parecem se preparar para uma festa, os homens nas varandas a quebrar a monotonia com a chegada de estranhos, a diligência afetada pelos solavancos de estradas ainda incipientes para tanto, e etc. e etc., tudo se repetindo sagradamente, um filme imitando o outro, a cena já sendo prevista até por espectador cego.
Independente dos defeitos, fico catando um caubói para deleitar os olhos, me sentindo outra vez nas cadeiras do cinema de Zeca Mesquita, em matinée dos domingos, lances com algumas tremendeiras, certo do artista vencer o bandido, revendo cenas que vi em tempos idos, me comportando como se ainda fosse aluno do ginásio, para, depois, como o peru que encolhe as asas, constatar que não tenho doze nem treze anos, o cinema de Zeca Mesquita já se diluiu, a platéia se resume só a mim, que continuo sentado, de pijama, nas costas um saco de setenta e cinco anos e o entusiasmo de uma criança que pela primeira vez assiste a um filme de caubói.