O ativismo judicial, fenômeno cada vez mais presente no cenário brasileiro após o advento da Constituição de 88, tem se tornado objeto de debates intensos entre juristas, legisladores, acadêmicos e a sociedade civil. Embora muitas vezes motivado pela louvável intenção de suprir omissões do poder público ou de garantir a efetividade de direitos fundamentais, o ativismo judicial também apresenta riscos concretos à segurança jurídica e corrói a previsibilidade das decisões judiciais. Em um sistema como o nosso que se estrutura sob os princípios da legalidade, da separação dos Poderes e da proteção da confiança legítima, o avanço desmedido do Poder Judiciário sobre esferas tradicionalmente legislativas pode gerar consequências nocivas. O conceito de ativismo judicial refere-se à atuação do Poder Judiciário além dos limites tradicionais da interpretação da lei. Trata-se de uma postura em que o juiz, ao decidir um caso concreto, promove alterações práticas no ordenamento jurídico ou supre lacunas legislativas com base em princípios amplos ou valores morais. No Brasil, essa postura tem se intensificado, especialmente no Supremo Tribunal Federal (STF), que, na qualidade de guardião da Constituição, vem assumindo papel protagonista na definição de políticas públicas, na regulação de condutas sociais e na formulação de normas de eficácia imediata. Um dos principais efeitos negativos desse fenômeno está na diminuição da previsibilidade das decisões judiciais. Quando a jurisprudência passa a ser construída com base em interpretações abertas e por vezes voluntaristas da Constituição, em detrimento da objetividade da norma ou da tradição legislativa, os operadores do direito perdem referências seguras sobre qual será a resposta do Poder Judiciário. A consequência imediata é a incerteza jurídica: cidadãos, empresas e o próprio Estado deixam de ter parâmetros claros para orientar suas condutas. Sem previsibilidade, não há verdadeira segurança jurídica — pilar essencial do Estado de Direito. Além disso, o ativismo compromete a estabilidade normativa, pois desloca o centro da produção do Direito do Poder Legislativo — instância dotada de legitimidade democrática direta — para o Judiciário, cujos membros não são eleitos. Decisões judiciais com efeito vinculante, como as proferidas em ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) ou em arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), passam a criar normas que, embora legítimas sob a ótica institucional, carecem de debate político amplo e plural. Tal prática rompe com o princípio da separação dos Poderes e com o devido processo legislativo. Como se não bastasse, cresceu no STF, especialmente na última década, o exame de ações judiciais que envolvem problemas complexos e estruturais, geralmente relacionados a políticas públicas, e que exigem do Poder Judiciário não apenas uma decisão pontual, mas um processo contínuo de acompanhamento e transformação institucional. Pode-se dizer, inclusive, que os processos estruturantes hoje representam o mais importante palco para decisões carregadas de ativismo judiciário. É verdade que o ativismo judicial pode representar, em certos momentos, um mecanismo de defesa dos direitos fundamentais, sobretudo quando o Legislativo se omite em garantir direitos previstos na Constituição. Entretanto, o problema não está na atuação em si, mas na falta de limites claros e de critérios objetivos para o seu exercício. Quando o Judiciário age sem balizas consistentes, substituindo o debate democrático por uma decisão tecnocrática ou moral, enfraquece-se a confiança no sistema jurídico e institucional. O caso da descriminalização do aborto em determinadas hipóteses, as decisões sobre políticas públicas de saúde, ou a regulação de condutas morais e sociais, como a união homoafetiva e o ensino religioso nas escolas públicas, são exemplos de decisões judiciais relevantes que, embora louvadas por muitos, suscitam debates sobre a legitimidade da atuação judicial em substituir o legislador. Independentemente do mérito das decisões, a forma como foram tomadas — com base na vontade de um colegiado e não na deliberação parlamentar — levanta dúvidas sobre sua aderência ao pacto democrático. O ativismo judicial, quando se torna padrão, gera um efeito paradoxal: ao tentar promover justiça e efetividade dos direitos, pode acabar gerando insegurança, instabilidade e desconfiança generalizada nas instituições. O Judiciário deve zelar pela Constituição, mas não pode tornar-se o único autor do Direito. A previsibilidade das decisões e a segurança jurídica dependem de um Judiciário que atue com parcimônia, deferência institucional e respeito à legalidade estrita.