ARACAJU/SE, 21 de dezembro de 2025 , 11:31:40

Bebeta e Padre Júlio

JOSÉ LIMA SANTANA

PADRE. ADVOGADO. PROFESSOR DA UFS. MEMBRO DA ASL, ASLJ, ASE, ADL, ABLAC E IHGS

 

A CNEC – Campanha Nacional de Escolas da Comunidade nasceu em Recife, em julho de 1943, pelas mãos de Felipe Tiago Gomes, então jovem estudante, nascido na Paraíba, com a adesão de alguns dos seus colegas estudantes de variados cursos universitários. Da capital pernambucana, ganharia o Brasil, chegando a ter cerca de dois milhares de escolas.

Quando ainda se chamava CNEG – Campanha Nacional de Educandários Gratuitos, nela eu ingressei, em 1967, como aluno da primeira série do curso ginasial, como se chamava, à época, a parte maior do ensino fundamental de hoje. Em 1977, voltei como professor e, no ano seguinte, aos 23 anos de idade, ainda como estudante de Direito, na Universidade Federal de Sergipe – UFS, assumi a direção do Colégio Cenecista Regional Francisco Porto (antigo Ginásio Tertuliano Pereira de Azevedo, quando fora fundado, em maio de 1959).

Ao assumir a direção do Colégio, convidei a professora Elisabete Soares Souza Santos para ser auxiliar de secretaria. Com ela, minha contemporânea no curso ginasial, eu já tinha trabalhado na Prefeitura Municipal de Nossa Senhora das Dores, nossa terra natal, de 1974 ao início de 1977.

Depois, Bebeta, como era conhecida, tornou-se a secretária da nossa escola. Ao deixar a direção, em novembro de 1997, após ingressar como professor efetivo do curso de Direito da UFS, eu indiquei Bebeta à então Superintendência Estadual da CNEC para substituir-me na direção. Fiquei dando suporte, até que ela engrenou, por assim dizer. Jamais, porém, afastei-me por completo, sempre dando orientações, quando solicitado.

De novembro de 1997 a dezembro de 2025, Bebeta exerceu com proficiência o cargo de diretora do nosso Colégio, falecendo na quinta-feira, dia 11último. E falecendo inesperadamente, embora já vinha adoentada há alguns dias. Vinte e oito anos na direção. A mais longeva naquela direção.

A comunidade dorense sentiu-se como que traumatizada com o falecimento de Bebeta, que já era a mais antiga colaboradora da CNEC em todo o país. O povo dorense soube prestar-lhe a última homenagem, comparecendo um grande número de pessoas ao seu velório e sepultamento, após a missa de corpo presente que eu mesmo presidi, nas dependências do Colégio.

Fico a pensar o que uma instituição como a CNEC, ou outra qualquer, deve fazer diante de uma perda desse tipo? Mais de quarenta anos dedicados à instituição. A mais antiga a laborar. As pessoas passam e o seu nome ficará nos papeis oficiais da instituição, que ela assinou? Uma fotografia, numa galeria de ex-diretores, se houver, desbotando-se com o tempo? Somos insensíveis assim? Apenas substituímos as pessoas por outras, e seguimos em frente? Guardamos a sua história e a sua memória em nossos corações, em nossas mentes?

Bebeta, com o seu corpo miúdo, com os seus “gritos”, sempre dizendo em reuniões “Bebeta quer falar”, era querida. Uma pessoa querida, que fazia bem o seu trabalho, não pode passar em vão.

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Permitam-me os leitores fazer alusão a um fato desta semana, ocorrido na Arquidiocese de São Paulo. Trata-se do padre Júlio Lancellotti. Do silêncio obsequioso imposto ao religioso. Não sei quais os motivos para isso. Obviamente, deve ter havido um processo canônico instaurado. Todavia, ficam as perguntas: o que deveras ocorreu? Qual a gravidade do que ocorreu?

Bem. Há, na internet, duas correntes com manifestações a respeito da situação do padre Júlio. Uma que o defende com unhas e dentes, em face do trabalho que ele desenvolve com as pessoas em condição de rua e com tantos outros excluídos da sociedade. Por isso, ele é taxado de “comunista”. Jesus não era comunista e conviveu com os excluídos de Israel. O padre Júlio também não deve ser comunista. Mas, o seu trabalho incomoda a certas pessoas. E essas pessoas incomodadas, representativas de setores da chamada “direita”, que sempre o atacaram, estão dando “vivas” por conta dessa situação que atingiu o “padre dos pobres”, pejorativamente alcunhado de “esquerdista”.

Finalizo, sem maiores comentários, enfatizando apenas o seguinte: primeiro, é preciso que nós do Clero (diáconos, padres e bispos) tenhamos uma postura firme em anunciar o Evangelho. E quem anuncia, também denuncia, quando se faz preciso, mas sem transformar o púlpito em palanque. Segundo, há padres, freis, freiras e bispos que alardeiam “virtudes” de blocos políticos “direitistas”, satanizando setores da “esquerda”. E esses vão continuar dizendo um monte de asneiras nos meios de comunicação social, dos quais o padre Júlio estará afastado.

Estaria o padre Júlio Lancellotti sendo um bode expiatório? Ora, mas por que seria preciso um bode expiatório? Aguardarei maiores detalhes sobre a situação em foco.