Ao ser reformado da Polícia Militar, o cabo Dino Meu Parente continuou a ganhar dinheiro fazendo uns servicinhos de quebra-de-milho, como ele chamava a sua atividade clandestina. Quantas mortes pesavam em suas costas? Talvez nem ele pudesse contar. Em Sergipe e nas Alagoas, de onde ele era natural, filho de Cachorro Azedo, um povoado chinfrim perdido nos ardores do sertão, ele teria, ao morrer, muitas contas para acertar.
Se alguém pouco chegado a ele perguntasse: “Cabo Dino, você já torou quantos na mira da escopeta”? Ele, por certo, responderia: “Nunca torei ninguém. Você poderá ser o primeiro”. Tiraria o corpo fora e a conversa morreria ali.
Robério Fanhoso, proprietário da padaria, da farmácia e do cinema locais ofereceu uma baita quantia para Dino dar uma surra em um desafeto, que, andava e virava, vivia a levantar aleives contra a senhora de tão abastado proprietário. Dez contos de réis. Uma fortuna! Era para dar uma surra, daquelas de jogar sal grosso nos lanhos das costas. Surra com chicote feito com rabo de teiú. Não! “Seu Robério, um homem de bem não bate noutro homem. Em homem não se bate. Faz-se o que é de se fazer. Mas, surra, isso lá não”!
Se fosse para outro acerto, Dino teria topado a parada. “Quem bate se esquece, mas quem apanha se lembra”, ele vivia a repetir. O cabo Dino Meu Parente, e essa alcunha era um jargão dele, pois em sua boca todo mundo era seu parente, apesar do furdunço da quebra-de-milho, era um sujeito de bom coração. Prestativo como ele só. Se ele tivesse algo que alguém precisasse emprestado ou mesmo dado, certamente ele o serviria. Era só tratá-lo com jeito, com respeito, que ele virava de caninana em um pedaço de seda.
Quando a marinete de João Caçamba tombou no riacho do Gonçalão, ferindo doze crianças, que voltavam de um piquenique, no dia do aniversário da cidade, quem colocou o carro à disposição para transportar os feridos ao hospital da cidade vizinha? Ele, Cabo Dino Meu Parente. Quando a mulher de Tonho Fondoca, marchante, se esvaiu em sangue, com uma hemorragia pós-parto, quem a socorreu, lavando o banco traseiro do carro da tintura das veias da parturiente? Só podia ser ele. Muitas façanhas.
Um dia, conversando com o capitão Rosmundo, que se dizia aparentado do cabo, então delegado municipal de polícia comissionado, Dino confessou que jamais matara quem não tinha culpa no cartório. “Quem foi para cidade de pé junto, quem vestiu o pijama de madeira, tinha culpa a purgar”.
Cabo Dino era casado com Terezinha da finada Maria de Donga. Modista afamada, não dava conta de atender a todos que lhe procuravam. O casal procriou como preás. Eram quatorze filhos, meio a meio. Os dois mais velhos já tinham assentado praça na Polícia.
O mundo andava de pernas para o ar. Pois não foi que um jovem Promotor de Justiça, mal e mal chegado à cidade, e tendo ouvido algumas conservas a respeito de Dino Meu Parente, mandou intimá-lo de boca, por Osvaldo Camundongo, Oficial de Justiça, que não ia com as fuças de Dino.
O cabo Dino apresentou-se fardado ao Promotor. “Pois não, senhor. A que devo o seu chamado”? A autoridade mediu Dino de cima para baixo e de baixo para cima. Dino quis perguntar se estava bonito ou cagado, mas conteve-se. O Promotor, todo entufadinho, soltou o verbo: “Eu ouvi umas conversas estranhas a seu respeito, cabo Dino. O senhor pode confirmar o que eu fiquei sabendo”? Dino também mediu a autoridade, mas com um olhar de gato azougado. Fez os bofes puxarem e soltarem ar. “Doutor, como eu vou confirmar o que eu não sei que lhe disseram? Não tenho como. Desconheço a prosa que o senhor teve com alguém, que eu nem sei quem foi”. O Promotor mexeu-se na cadeira. Ficou ainda mais branco. O olhar de Dino o fuzilava. “Cabo Dino, o senhor é matador de aluguel”? Sem ironias, ele respondeu: “Fique sabendo, seu doutor, que, na minha mocidade, eu trabalhei muito de aluguel, nas roças dos ricos. Trabalhar de aluguel não é coisa boa. Por isso, eu me tornei um policial, para nunca mais conhecer esse tipo de trabalho. Sou um cabo reformado por tempo de serviço. Respeitado. Respeitoso com quem merece respeito. E desrespeitoso com quem tem a boca grande demais”.
Depois de gaguejar um pouco, o jovem Promotor dispensou o cabo Dino. Ninguém podia sair ileso, se mexia com casa de marimbondos.
De tardinha, naquele mesmo dia, o cabo Dino achegou-se ao posto de gasolina de Tibúrcio Come Merda. Sentados estavam o dono do posto, o vice-prefeito, e um amigo, advogado. O vice-prefeito com ar de chacota, disse: “Hum… Tá um cheiro de defunto por aqui”! De supetão, Dino Meu Parente respondeu: “Esse, com certeza, não fui eu”. Todos riram. Dino também.