Em 1º de março de 1902, foi realizada uma eleição presidencial. Seria testada a “Política dos Governadores”, engendrada por Campos Sales (1841-1913).
Por essa estrutura, a Comissão Verificadora de Poderes só validaria os diplomas de parlamentares alinhados com o governo federal.
Esses congressistas, por sua vez, adviriam de eleições nas quais as juntas apuradoras, nomeadas por governadores, falseariam os resultados dos pleitos, a fim de garantir o êxito, apenas, dos nomes chancelados pelos administradores estaduais.
Os “coronéis” alinhados usariam os seus “currais eleitorais” para garantir sua força e assegurar os favores governamentais, especialmente a escolha de funcionários públicos relevantes (delegados de polícia, auditores fiscais etc.).
Os eleitores, padecendo do “voto a descoberto”, eram sujeitos às violências em caso de rebeldia em relação à diretriz do líder local.
O presidente da República, no topo dessa escala, em troca, evitaria usar o poder constitucional de intervir nos Estados, caso tudo estivesse correndo bem nesse mecanismo.
Essa, é claro, uma simplificação das coisas. A prática sempre resiste ao planejamento. O próprio Campos Sales teve dificuldade de fazer valer o engenho por ele concebido. Ele havia rompido com o seu vice, Rosa e Silva (1857-1929). Razão: em 1900, foi descoberto um desfalque na arrecadação de tributos em Pernambuco, Estado de Rosa e Silva. O ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho (1848-1911), demitiu o servidor encarregado da matéria, abrindo uma investigação. O vice-presidente protestou, mas Campos Sales defendeu a posição do ministro.
Irresignado, Rosa e Silva formou então um grupo com os partidos republicanos do Pará, Rio de Janeiro e Pernambuco, lançando o nome de Quintino Bocaiúva (1836-1912) para a presidência e Justo Chermont (1857-1926) para vice.
No campo governista, havia muitos pretendentes à cadeira presidencial. Joaquim Murtinho aspirava ser escolhido o candidato de Campos Sales, mas, diante dos ataques a ele promovidos pela oposição, o presidente escolheu um outro nome: Rodrigues Alves, vinculado ao Partido Republicano Paulista.
Rodrigues Alves era governador de São Paulo e, conquanto cafeicultor, não era do agrado total da elite daquele Estado. Ele tinha um passado monarquista, eis que fora membro do Conselho de Estado e se orgulhava de ser tratado por “conselheiro”, mesmo após 1889. Republicanos históricos reclamavam primazia na preferência. Seu nome desgostava, em especial, ao ex-presidente Prudente de Morais (1841-1902). Apesar da poderosa dissidência interna, os republicanos paulistas, ao final, chancelaram o nome preferido de Campos Sales.
Diante do bloco influente que os adversários geravam, que foi engrossado com o apoio do Maranhão e do Amazonas, era preciso que o suporte situacionista fosse igualmente robusto, motivo pelo qual o candidato a vice-presidente veio do segundo Estado mais forte da federação, Minas Gerais, que indicou Silviano Brandão (1848-1902). O compromisso dos paulistas era de aceitar, na composição seguinte, uma indicação mineira. Nascia a “política do café com leite”, em alusão aos produtos principais paulista e mineiro, nessa ordem.
Outros líderes regionais relevantes entraram na composição, como o gaúcho Pinheiro Machado (1851-1915), cujo papel, nessa engenharia política, foi o de ser elevado ao posto de homem-forte no parlamento, equilibrando interesses paulistas e mineiros com os do Rio Grande do Sul e outros Estados não contemplados diretamente na chapa presidencial.
A vitória de Rodrigues Alves foi acachapante: 592.030 votos contra 42.542 de Quintino Bocaiúva. Silviano Brandão foi eleito com 563.734 votos contra os 59.887 de Justo Chermont. Entretanto, Silviano Brandão morreu em setembro, antes da posse. Segundo o direito então vigente, era necessária uma eleição suplementar e nela foi escolhido, em 18 de fevereiro de 1903, o também mineiro Afonso Pena (1847-1909) para a vice-presidência, com mais de 642 mil votos e sem candidatura adversária.
O sistema político costurado por Campos Sales havia funcionado, mas os políticos guardaram ressentimentos e reservas. Houve, a partir disso, uma tentativa de reação. Em 1904, para as eleições parlamentares federais, foi aprovada a Lei Rosa e Silva (Lei nº 1.269, de 15 de novembro de 1904).
A nova legislação unificou nacionalmente os processos de alistamento. Exigia-se, pelas regras novas, que o eleitor comparecesse à comissão de alistamento e escrevesse, ali, o pedido de próprio punho, afastando, assim, analfabetos. Os eleitores recebiam um título. A ideia era evitar fraudes nesse estágio.
As comissões apuradoras passaram a ser formadas pelo juiz de direito, os quatro maiores contribuintes do distrito e por três cidadãos indicados pelo governo municipal. A pretensão era diminuir a força dos governadores.
Os distritos passaram a ser de cinco nomes, sempre que possível, e quatro era o número de candidatos em que cada eleitor poderia votar (podendo repetir o mesmo nome, caso desejasse). Era uma tentativa de criar chances de eleição de oposições.
Não deu certo. O sistema se adaptou e seguiu controlado pelos governadores. As oposições somente terão a devida representação quando o sistema proporcional vier a ser adotado, depois de Revolução de 1930.
Esses pleitos revelam que o processo político brasileiro, na República Velha, era decidido em salões oligárquicos, que o alistamento e a apuração dos votos eram falseados e que a democracia representativa ainda teria um longo caminho a percorrer.
Isso não quer dizer que a atividade política não tivesse espaço para estratégias e artimanhas e que o presidente da República sempre fizesse o sucessor de sua preferência. Rodrigues Alves, por exemplo, não conseguiu. Seu governo que terminou com significativo apoio popular, mas sua vontade não foi suficiente para emplacar o nome do seu gosto para sua sucessão. Mas essa é uma história que fica para outro dia.