Em um cenário que mescla o sabor cítrico com o amargor lupulado, a breve existência da Lei nº 8.895/2021 de Sergipe ilustra as complexas relações entre o desenvolvimento local, a tributação e a harmonização fiscal no Brasil. Essa lei, que visava estimular a produção de cervejas com suco de laranja, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em setembro do ano passado. Esse caso que levanta importantes questões sobre a qualidade do processo legislativo e a necessidade de uma abordagem mais rigorosa e técnica na produção de leis.
Motivada pelo desejo de impulsionar a indústria cervejeira local e aproveitar o fruto da laranjeira, um dos principais itens da economia estadual, a Lei nº 8.895/2021 de Sergipe reduziu a alíquota do ICMS de 25% para 13% para operações internas envolvendo cervejas com suco de laranja. Essa iniciativa simples e regional desencadeou uma série de eventos que culminaram em um embate jurídico interessante.
A Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) questionou a lei sergipana, alegando violação ao princípio da isonomia tributária e à uniformidade fiscal entre os estados. A Abrabe argumentou que a redução da alíquota do ICMS para um tipo específico de cerveja criava uma distorção no mercado, favorecendo as empresas sergipanas em detrimento das demais.
O STF, ao julgar a ADI 7374, da relatoria da Ministra Cármen Lúcia, por unanimidade, considerou a Lei nº 8.895/2021 inconstitucional. A Corte identificou duas falhas principais na legislação. Primeiro, a ausência de estudos eficazes de impacto financeiro e orçamentário: a lei foi promulgada sem a devida análise de seus efeitos nas finanças públicas estaduais. O estudo existente foi considerado insuficiente. Essa falha viola o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que exige a realização de estudos prévios para a criação de leis que gerem impacto financeiro. Não quaisquer estudos, mas estudos adequados.
Segundo, a inexistência de convênio celebrado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz): a legislação sergipana alterou o regime do ICMS sem a celebração desse instrumento, exigido pelo artigo 155, §2º, g, da Constituição Federal. Essa omissão configura uma violação ao princípio da harmonização fiscal, que visa garantir a uniformidade das regras tributárias entre os estados.
A decisão do STF reforça a importância de uma legislação bem elaborada, fundamentada em estudos técnicos e em consonância com os princípios e regras constitucionais. O caso também evidencia a necessidade de diálogo e cooperação entre os entes federativos para garantir a coerência e a equidade do sistema tributário brasileiro ainda vigente.
Bons propósitos não salvam uma lei da declaração de inconstitucionalidade. Essa decisão serve como um alerta para a importância da legística, a ciência da legislação. A legística se concentra na qualidade da legislação, desde a clareza e a precisão do texto legal até a sua necessidade, eficácia (capacidade de atingir os resultados pretendidos) e eficiência (como esses resultados são alcançados em termos de utilização de recursos). A integração de suas práticas no processo legislativo viabiliza leis mais robustas, que resistem ao escrutínio constitucional e promovem desenvolvimento e justiça social.
A anulação da Lei nº 8.895/2021 de Sergipe pelo STF é uma decisão que terá quase nenhum reflexo nacional. É aqui citada por exemplificar uma situação trivial na jurisprudência do STF: a invalidação de leis estaduais por vícios de tramitação, de competência e de mérito. Serve como um chamado à reflexão sobre a necessidade de aprimorar o processo legislativo, em todos os níveis federativos. Por fim, é um lembrete de que a adoção pelos parlamentos de uma abordagem com foco na legística, é fundamental para liberar a jurisdição constitucional de uma carga de trabalho desnecessária.
José Rollemberg Leite Neto é Membro da Academia de Letras Jurídicas de Sergipe