ARACAJU/SE, 28 de agosto de 2024 , 17:29:52

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Começou assim

As últimas eleições presidenciais despertam a curiosidade de saber como foram as primeiras. Contudo, a história desse insólito pleito inaugural não é das mais alvissareiras.

Depois da Proclamação da República, o Brasil passou a ser administrado por um governo provisório chefiado pelo marechal Deodoro da Fonseca, o líder fardado protagonista do golpe de 15 de novembro de 1889. 

O Estado brasileiro estava sendo refundado. A ordem anterior estava sendo demolida. O outrora Império do Brasil agora se chamava Estados Unidos do Brasil. Os atos jurídicos iniciais do novo regime estabeleceram que o Brasil seria uma república federativa, composta pelas antigas províncias, agora convertidas em Estados-Membros. Não era mais uma monarquia, nem mais um governo unitário. Isso tudo veio no Decreto nº 1, do mesmo 15 de novembro.

Os vitoriosos do golpe montaram o governo provisório com as lideranças militares e os republicanos civis, especialmente de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. A composição foi a seguinte: 1) Deodoro da Fonseca (presidente); 2) Benjamin Constant (ministro da Guerra); 3) Eduardo Wandenkolk (Marinha); 4) Aristides Lobo (Interior); 5) Rui Barbosa (Fazenda); 6) Campos Sales (Justiça); 7) Quintino Bocaiúva (Relações Exteriores); e Demétrio Ribeiro (Agricultura, Comércio e Obras Públicas). Não era um governo eleito, mas autodesignado. A Assembleia Geral, composta por Câmara dos Deputados e Senado havia sido dissolvida. Era uma ditadura, portanto.

De pronto, além dessas medidas políticas imediatas, algumas outras foram adotadas: o casamento civil passou a ser admitido e os cemitérios foram secularizados. Mas, não foi para isso que Dom Pedro foi deposto e exilado com sua família. Uma reformatação mais abrangente era necessária: uma constituição nova era exigida.

Convocou-se a eleição de um congresso, que também foi assembleia constituinte. Essa eleição, a primeira da República, aconteceu em 15 de setembro de 1890, conforme dispôs o Decreto nº 78-B, de 21 de dezembro de 1889. A disputa foi regida pelo Regulamento Alvim (Decreto nº 511, de 23 de junho de 1890), que manteve o sistema distrital para eleição dos constituintes, de modo assemelhado ao que se praticara no Segundo Reinado. Esse mesmo diploma fixou que as primeiras eleições presidenciais do Brasil-República seriam indiretas, realizadas pelos constituintes eleitos.

Os mesmíssimos defeitos de decência e fidelidade do sistema eleitoral monarquista se avistaram nessa eleição republicana exordial. O governo provisório nomeou os intendentes municipais que, por sua vez, eram os encarregados de organizar as votações nos distritos. Desse pleito arranjado saíram os 63 senadores e 205 deputados daquela primeira legislatura.

As inelegibilidades de militares foram suspensas, o que permitiu a eleição de vários deles. Nenhum clérigo pôde ser candidato. As fraudes afastaram a oposição e os monarquistas não foram eleitos. Ninguém pode imaginar que em um país que até a véspera vivera sob reinado não houvesse força monarquista relevante. As elites ainda se tratavam pelos títulos nobiliárquicos do Império. Mas as urnas viciadas negaram aos partidários desse regime o que a monarquia nunca negou aos republicanos: o direito de se fazerem representar.

A elaboração de uma nova constituição foi feita a partir de um anteprojeto encomendado pelo governo provisório. O Decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889, designou a Comissão de Petrópolis (“Comissão dos Cinco”), composta por Joaquim Saldanha Marinho, Américo Brasiliense de Almeida Melo, Antônio Luís dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio Pedreira de Magalhães Castro. O trabalho desse grupo foi remetido ao Executivo. Lá foi objeto de ajustes por Rui Barbosa e consolidado para envio à constituinte.

A constituinte analisou o anteprojeto remetido, fez importantes alterações e aprovou o texto final. Em 24 de fevereiro de 1891, a Constituição foi assinada e promulgada. Uma de suas disposições previa eleições indiretas para presidente e elas foram realizadas no dia seguinte.

O governo provisório vinha em crise. O ministério, que já havia sido modificado, se demitira em bloco em janeiro de 1891. A razão determinante dessa debandada: os militares, rompendo a tradição de liberdade de imprensa que vinha do Império, haviam empastelado o jornal “A Tribuna” e assassinado um dos funcionários. Deodoro, obviamente desqualificado para a função, não animava a classe política, que cogitava eleger um civil.

Havia, no entanto, o risco de mais um golpe militar, institucionalizando a ditadura. Sob esse temor, Deodoro foi eleito com 129 votos contra 97 de Prudente de Morais (que viria, em 1894, a vencer a primeira eleição direta presidencial). Para a vice-presidência, foi bem-sucedido Floriano Peixoto, com 153 votos, contra 57 do almirante Wandenkolk. Detalhe: Floriano era candidato de chapa diversa de Deodoro e teve mais votos que ele, o que mostra o desprestígio do presidente escolhido indiretamente.

Como era de se esperar, em razão do que já se apresentara naqueles meses de administração provisória, o governo Deodoro foi péssimo. Já na reta final de sua breve e calamitosa gestão, Deodoro vetou o projeto de lei que estabelecia os crimes de responsabilidade presidencial e respectivos procedimentos, eis que antevia que seria neles incidente. O Senado derrubou o veto e remeteu o material para a análise da Câmara. O presidente, então, decretou estado de sítio e dissolveu o Congresso, em 3 de novembro de 1891.

Houve reação. A guerra civil era iminente. O almirante Custódio de Melo, a partir da Baía da Guanabara, ameaçou bombardear o Rio de Janeiro, caso Deodoro não recuasse. À vista disso, o presidente reuniu o ministério e renunciou em 23 de novembro, assumindo Floriano Peixoto. 

Essa renúncia faz, amanhã, 131 anos. A Constituição previa a necessidade de eleições (artigo 42), mas o Floriano Peixoto ignorou a prescrição desabridamente. Alegou que as regras não valeriam no primeiro mandato presidencial, embora essa exceção não fizesse maior sentido. A série de insubordinações militares às constituições republicanas estava apenas começando.