Foi assim que eu o vi. Sempre. Um homem de coragem. Um Papa que não se deixou prender pelas amarras da Igreja, pelo fausto, pelas comodidades que os grandes cargos por vezes oferecem aos seus ocupantes. Francisco traiu a Palavra? Traiu a Doutrina? Traiu a Tradição Apostólica? Para algumas cabeças desencontradas com a vivência dos Evangelhos, sim. Aliás, como têm aumentado essas cabeças desencontradas!
O que seria de Jesus, hoje, diante dessas cabeças desencontradas? Seria perseguido, como os fariseus e os mestres da Lei o fizeram. Nada a tirar nem pôr.
Pois bem. A vida é um sopro. Um sopro também é a morte. O sopro da morte apaga o sopro da vida. É uma questão inexorável. A mais dura realidade da vida. Mas, também, a mais pujante para quem crê na vida eterna. Para estes, o sopro da morte dura pouco, pois a vida retoma o seu sopro, como ocorreu naquele primeiro dia da semana, no qual o túmulo amanheceu vazio. O sopro da morte, portanto, não teve mais força sobre o sopro da vida. Estamos todos de passagem por este “vale de lágrimas” ou por esta nossa casa comum, tão bem identificada pelo Papa, que os cardeais foram buscar “no fim do mundo”, como ele mesmo o dissera, quando de sua eleição inesperada.
Desde o início, eu vi Francisco como o Papa a ombrear-se, no meu gosto, ao outro Papa que encantou o mundo, mesmo sofrendo contraditas de alguns dos purpurados e de outros, clérigos ou leigos: São João XXIII. Eis os meus dois Papas prediletos. Revolucionários. Ambos, cada qual ao seu modo, desentocaram e enfrentaram problemas sérios que vinham se acumulando ao longo dos últimos séculos.
A Igreja precisava compreender o mundo moderno, sem que isso a fizesse afastar-se do tripé que dá sustentação à sua longa trajetória, como acima referido. São João XXIII fez isso com a convocação do Concílio Vaticano II, deturpado, na sua compreensão, por alguns arautos do caos espiritual.
Mas, a Igreja estava necessitando curar velhas chagas que a atormentavam e que os tais arautos do caos espiritual preferiam deixar debaixo do tapete, como deveras tudo estava. Só um homem de coragem como Francisco, comprometido com o Evangelho poderia entrar em ação, para desmantelar a corrupção na Cúria Romana, especialmente no Banco do Vaticano, há décadas servindo para atividades espúrias, manipuladas ou acobertadas por cardeais e arcebispos. No mínimo, desde Paulo VI, os ocupantes da Cátedra de Pedro vinham sendo enrolados pelos que dominavam o Banco do Vaticano. Um caso de Polícia e de Justiça. Cabeças tiveram que rolar.
A pedofilia. Meu Deus! Que escândalo de séculos e séculos…! Quantos bandidos travestidos de clérigos esconderam-se debaixo de seus hábitos, ou melhor, de seus panos, pois o hábito honrado por quem o veste não se presta para acobertar aberrações. O pedófilo é sempre um bandido cruel, esteja onde estiver, na Igreja ou fora dela. Não se pode dar guarida a essa laia imprestável, que enxovalha o nome da Igreja, como instituição, e dos cristãos em geral que primam pela prática da ação evangelizadora. Francisco não temeu enfrentar essa vergonha abominável. Pena que ele não foi seguido por todos os Bispos e Arcebispos em suas Dioceses e Arquidioceses. Alguns continuaram fazendo vistas grossas a esse gravíssimo escândalo.
Ah, não devo mais falar sobre o Papa, que nos deixou na manhã da última segunda-feira, após participar de sua última Solenidade de Páscoa, cansado, ofegante, sofrido, mas ao lado do povo! Muitos já falaram e ainda falarão sobre ele. Dou-me por satisfeito por esta breve abordagem. Por enquanto. Só espero que os dirigentes católicos, seja lá onde for, sigam o exemplo de tenacidade, de amor e de misericórdia de Francisco.