ARACAJU/SE, 2 de dezembro de 2024 , 6:03:54

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Da semelhança com o avô ou com a avó

Papai comandava o serviço do bar da Atlética em velhos tempos, o olhar no balcão, e, também,  no salão, onde todos se alojavam. A meninada, em mesa próxima, conversava. A uma das meninas, a mais falante, papai dirigiu a pergunta, veneno puro: Você é neta de dona Fulana? Era. E aí a bomba explodiu: parece com a avó. A menina fechou a cara e a boca. Aparentar-se com a avó se equiparava a uma bofetada, ora, uma velha cheia de rugas, cabelos curtos, sem maquiagem alguma, a roupa mais simples do mundo, eternamente de chinelo de feira, praticamente analfabeta, e ela, a neta, no verdor dos treze anos, reproduzir a cara da avó, coisa chata.  Emudeceu.

Anos e anos depois, quando ia a Itabaiana acompanhando o médico Luiz Carlos Andrade, que ia ver como mamãe, – já imóvel numa cama, sob cuidados permanentes, – se encontrava, um conhecido se aproximou e duas netas o acompanharam. Primeiro, elogiei a beleza das netas. Depois, como se a alma de papai invadisse a minha cabeça e guiasse meus passos e pensamentos, dei o tiro fatal: Vocês se parecem com seu avô. A menor não atentou para a malvadeza do asserto, o que não se verificou com a mais velha, já beirando uns oito anos, que recolheu o sorriso. O rosto virou uma máscara. Imaginou ser tão bonita – e era! –, recebendo elogios por onde passava, e ser a reprodução do avô, olhar meio vesgo, cuspe a escorrer pela boca enquanto falava, barba sempre para fazer, misericórdia, pior que surra de cansanção, pelo que esta provoca de coceira.

Por aí conclui que assemelhar-se com a avó ou o avô não é negócio que interesse a neta alguma, e a gente deve respeitar plenamente, embora, a depender da situação vivida, a avó se torne um fantasma que assombra ou que deve ser mantida distante do fato. Um caso conheço por ter rolado nas ruas, a minha frente, não me dando oportunidade para fechar os olhos. A neta, menor de idade, bem formosa, se antecipou no namoro e aconteceu o que não deveria ter acontecido, iniciando os contatos em vista ao casamento, de acordo com as normas de então, aliás, de sempre, a mãe sempre dando graças a Deus. Era comentar o fato e a exclamação de graças a Deus vinha à tona. Uma vizinha perguntou o porquê. Resposta com outra indagação: E você não conhece minha mãe? Se tivesse aqui estaria dando mais corda e fogo a neta. Estava certa, aliás, certíssima.

 

                                                  Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras