José Anselmo Oliveira
O Sistema Único de Saúde (SUS) é reconhecido mundialmente por sua abrangência e pelo volume de dados gerados sobre a saúde da população brasileira. Informações coletadas em hospitais, postos de saúde e campanhas epidemiológicas formam um banco de dados valioso, capaz de impulsionar pesquisas científicas sobre doenças prevalentes no país. Contudo, o uso desses dados sensíveis exige atenção rigorosa à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), vigente desde 2020, que garante direitos fundamentais à privacidade dos cidadãos.
Nos últimos anos, o acesso a dados do SUS permitiu avanços significativos em estudos epidemiológicos e de saúde coletiva. Pesquisadores têm utilizado informações anonimizadas para mapear a incidência de doenças como diabetes, hipertensão, dengue e COVID-19, além de identificar grupos vulneráveis e avaliar a efetividade de políticas públicas. Segundo o Ministério da Saúde, entre 2020 e 2024, o número de projetos de pesquisa utilizando dados do SUS aumentou em cerca de 35%, evidenciando o potencial dessas informações para gerar conhecimento e melhorar a qualidade do atendimento à população.
Por exemplo, a análise de prontuários eletrônicos e registros de vacinação auxiliou no monitoramento da cobertura vacinal durante a pandemia de COVID-19, permitindo respostas rápidas e embasadas para conter surtos. Estudos sobre doenças crônicas também se beneficiaram da integração dos bancos de dados, promovendo estratégias de prevenção e controle direcionadas.
Apesar dos benefícios, o uso dos dados de pacientes do SUS exige cuidados específicos devido à natureza sensível dessas informações. Os dados de saúde são classificados pela LGPD como dados pessoais sensíveis, pois sua exposição pode trazer riscos à privacidade, à dignidade e até à segurança dos cidadãos.
A LGPD estabelece que o tratamento de dados sensíveis deve ocorrer sob bases legais específicas, como consentimento explícito do titular ou quando indispensável para políticas públicas de saúde. Além disso, a lei exige a anonimização dos dados sempre que possível, para evitar a identificação dos pacientes e mitigar riscos de vazamentos ou uso indevido.
Instituições de pesquisa, universidades e órgãos públicos vêm adotando políticas de governança de dados para garantir o cumprimento da LGPD. Entre as medidas estão o controle de acesso, a auditoria de sistemas, o treinamento de equipes e o uso de tecnologias para anonimização e criptografia das informações.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) também atua na fiscalização e orienta sobre boas práticas. Em 2023, a ANPD publicou guias específicos para o setor de saúde, reforçando a importância da transparência e da responsabilização dos agentes de tratamento. O envolvimento dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) é outro fator fundamental, pois garante que os projetos sejam avaliados quanto à proteção dos participantes.
Apesar dos avanços, desafios persistem. Muitos municípios e estados ainda enfrentam dificuldades para estruturar sistemas integrados e seguros de gestão de dados. A interoperabilidade entre plataformas, a padronização dos registros e a capacitação dos profissionais são pontos de atenção para ampliar a segurança e o uso ético das informações.
O futuro aponta para a consolidação de uma cultura de proteção de dados, onde pesquisa científica e privacidade caminham lado a lado. O engajamento de gestores, pesquisadores e sociedade civil será essencial para garantir que o uso dos dados do SUS continue promovendo inovação, sem comprometer os direitos dos cidadãos.
O uso de dados de pacientes do SUS para pesquisas científicas representa uma oportunidade única de avanço na saúde pública, mas exige comprometimento com a proteção de dados sensíveis diante da LGPD. O equilíbrio entre inovação e respeito à privacidade será o diferencial para transformar conhecimento em qualidade de vida para toda a população brasileira.