ARACAJU/SE, 18 de maio de 2025 , 0:42:43

Deu lá nele um constipio

Xisto de Zeca Cafuringa morreu. Era novo, não tinha passado dos trinta anos. Casado há menos de dois anos. Mal completou nove meses de casado, a mulher, Virgínia de Sá Doralice, trouxe ao mundo um bruguelo loirinho como o pai. Más línguas diziam que ela já casou embuchada. Na verdade, devia ter embuchado na primeira semana do casamento. Ninguém conseguia pôr cobro às línguas ferinas. Matraqueiras da desgraça! Afiavam as línguas no veneno da própria baba, para o destilar nas costas dos inocentes.

Doquinha de Américo Beato deu com Xisto caído no chão, na beira do riacho Mongaguá, mal passava das nove horas da manhã, uma manhã de sol frouxo, encoberto por nuvens e com sinais de chuva para mais tarde. Era maio, e o inverno estava vasqueiro, demorando para dar as caras. Nos últimos cinco anos, as primeiras chuvas desabaram no mês de abril. Invernos bons na medida. Agora, estava até dando medo de que a seca batesse às portas. Seca, seca mesmo, para tinir, não se via há uns oito anos. Mas, vez por outra, ela cismava de fazer visitas.

Xisto bateu a caçoleta por um extravio do coração. Enquanto descia a ladeira no rumo do riacho, deu lá nele uma canseira, uma dor nos braços, que o esbagaçava todo. Mal e mal pisou à beirada do riacho, caiu como uma jaca mole. Saiu de casa com as galinhas descendo do poleiro, os véus da madrugada sendo tangidos para o outro lado do mundo. Da hora da morte à hora em que Doquinha deu com o corpo caído, deve ter se passado entre uma e duas horas.

O que teria levado o coração de Xisto a extraviar-se, naquela idade? A falação da plebe ignara era a palmatória do mundo. Uns diziam que o pobre homem estava a levar chapéu de touro. Salvo uma ou outra cabeça oca, ninguém no povoado dava fiança àquela conversa desparafusada. Outros insistiam que o finado meteu as mãos pelos pés, numa empreitada no Banco. Dinheiro para comprar umas vaquinhas, que ele usou para arrumar a casa, ao gosto da esposa. Um parente do morto, a ele muito chegado, deu com a língua nos dentes e cochichou aqui e ali que o falecido andara de trololó com uma cunhada, mais nova do que Virgínia, a novel viuvinha, noiva de um sargento casca grossa, mais grosso que um tolete. O sargento o teria chamado às falas, olho no olho e de arma na mão. Fosse como fosse, o coração de Xisto teve carreira curta. Coração mofino, de veias entortadas, não aguentava sobressaltos.

O alvoroço foi muito grande. Todo o povoado acorreu ao riacho, ou, logo depois, à casa do finado Xisto. Era um moço bem-quisto, dado com todo mundo. As carpideiras teriam serviço naquele dia, puxadas pela voz esganiçada de Divina de João Felipe, que lascava um “Piedade, Senhor, piedade…”, a pondo de estourar os tímpanos de quem estivesse a meia légua de distância.

Aos poucos, as pessoas dos povoados circunvizinhos foram chegando, após o meio-dia. O sepultamento estava marcado para as dezessete horas, no cemitério local, arruinado pelo tempo e pelo descaso da Prefeitura.

As lamúrias da família do morto eram de dar dó. A viúva já tinha secado as lágrimas de uns dois ou três anos, em antecipação. Dona Marieta de Zeca Cafuringa, mãe de Xisto, descabelava-se. Era o seu primogênito. O pai, Zeca, morrera uns três anos antes. As irmãs de Xisto, desconsoladas. Da encostada a Xisto, escorria uma secreção do nariz, que entrava pela boca e sumia entranha a dentro. Um horror!

O vereador Pedro Toucinho de Robertão Cagada de Pato desceu do carro e dirigiu-se a um primo do morto, seu amigo. Foi dizendo e perguntando: “Meus pêsames, Jandinho. Como foi essa morte, assim tão de repente”? Balbuciando um agradecimento, o primo respondeu: “O que se sabe é que deu lá nele um constipio”. Pronto. E foi assim mesmo.