ARACAJU/SE, 2 de abril de 2025 , 1:51:56

Do trompete ao desencanto do sax tenor

Eu era sumamente organizado, a começar pelo cuidado com o trompete, mantendo-o sempre brilhando, a flanela devidamente umedecida com produto apropriado, que estava sempre sendo usado, de modo a mantê-lo em permanente brilho. Por sua vez, o instrumento era guardado em estojo de madeira, coberto por tecido, estojo que me acompanhava nos ensaios da banda, na noite da terça e da quinta-feira.

Quando promovido ao trompete, tive o cuidado de copiar, em caderno especial, as partituras a ele reservadas, a fim de poder, em casa, treinar os dobrados que eram comumente tocados nos ensaios. De nomes, me recordo de alguns, como Frederico Sampaio, 220º  Batalhão dos Caçadores, Baptista Maciel, General Osório – que era iniciado com o toque de corneta pelo trompete, que eu executava de olho fechado, os três pistos levantados, o sopro definindo o dó, o sól e mi, todos os demais instrumentos só entrando em ação quando o piston terminava o introdutório.

Igualmente, em outro caderno, copiava marchas carnavalescas, sambas, e músicas outras que faziam sucesso e a gente tinha acesso a sua partitura, como, v. g., Silêncio, onde o trompete assumia o comando principal, eu me esforçando para bem executa-la.

A organização aí se esgotou.  Quando deixei de participar dos ensaios, meus cadernos e álbuns de música ficaram relegados ao ostracismo, sendo, algum tempo após, emprestados a vizinho que se assanhou de tocar trompete. Não os devolveu quando desistiu do piston, encontrando seu provável final na lata do lixo. Eu, bem, reconheço, com outros projetos na cabeça, a começar pelo vestibular, permanecia distante e alheio. Quando cientificado, nada mais podia fazer, só lamentar silenciosamente.

O chato veio muito depois, ao declarar amor ao sax tenor, amor, aliás, até agora, não correspondido. Releguei o trompete a peça de museu. Me limito a verificar  preços em catálogos, desprovido da iniciativa de encarar o boi pelas pontas, ou seja, de comprar um instrumento. Voltei aos velhos tempos, quando, na maioria das vezes, a timidez não permitia que me aproximasse da amada de plantão. Dói um bocado ouvir o anjo de guarda observar que envelheci sem mudar de tática

Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras