As ameaças – não concretizadas – do dono do “X” (antigo Twitter), Elon Musk, de descumprir ordens judiciais direcionadas à sua plataforma, bem como as reações a essas ameaças, acabaram por gerar uma onda de defesa do que seria a liberdade de expressão nas redes, que estaria sendo indevidamente tolhida pelo Poder Judiciário e mais especificamente pelo Supremo Tribunal Federal, contexto em que se revelaria a existência de uma ditadura judicial no Brasil.
Infelizmente, trata-se de tática corriqueira, no mundo inteiro, partindo de seguimentos de extrema direita, numa estratégia de considerar como censura a legítima atuação da justiça com base na legislação e com amparo na Constituição, voltada para a coibição de práticas de desinformação, propagação de fake news e articulação e execução de crimes contra a democracia.
A liberdade de expressão ou de manifestação do pensamento, independentemente de qualquer censura prévia, é elemento essencial do Estado Democrático de Direito. Seu exercício, liberto de qualquer tipo de amarra, seja do Estado, seja de particulares, compõe requisito inafastável das liberdades individuais e das liberdades públicas e políticas, e se apresenta em variantes que vão desde a simples liberdade de exposição privada de ideias ou pensamentos até a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de cátedra.
No seu núcleo essencial, a liberdade de expressão – no que também fundamentada no necessário pluralismo de uma sociedade dinâmica, complexa e multifacetada – também abrange o direito de crítica, ainda que exercida com veemência, pois o direito de crítica e de oposição de igual modo se integra ao debate público democrático como característica inerente e indispensável.
Todavia, o fato de que é assegurada a todos – inclusive pelos meios de comunicação social – a liberdade de expressão, proibidas quaisquer espécies de censura prévia ou licença, não permite concluir que o seu exercício não se submete a limites.
A própria vedação ao anonimato é corolário de que quem se predispõe ao exercício da liberdade de manifestação do pensamento deve se sujeitar ao exame posterior acerca de eventual extrapolação dos seus limites, que podem ensejar tanto a concessão de direito de resposta ao eventual ofendido quanto responsabilização civil (reparação de danos morais), penal, administrativa e política.
Com efeito, a liberdade de expressão não pode ser utilizada como meio para lesar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas; não pode ser utilizada para ofensas pessoais, para falsa imputação de crimes ou difamação da intimidade alheia; não pode ser utilizada para discriminação de qualquer natureza (por exemplo, racial, social, de gênero ou por orientação sexual).
Pois bem, a submissão da liberdade de expressão a tais limites (inerentes à proteção da dignidade da pessoa humana) se apresenta com ainda mais cuidado e atenção para os casos em que exercida por via dos meios de comunicação social. Nessas vias, a mais alta responsabilidade no seu exercício se impõe, tendo em vista o seu enorme alcance e a sua potencialidade de causar múltiplas e quase irreversíveis lesões aos igualmente direitos fundamentais antes mencionados, a exemplo do que pode acontecer devido ao desmedido e irresponsável exercício da liberdade de expressão em veículos como rádio e televisão.
Não é diferente o que sucede no campo da liberdade de expressão nas redes sociais e plataformas de comunicação da internet.
E aqui se situa o tema da remoção de conteúdos, que não configura censura, pois a remoção somente poderá ser determinada porque aquela matéria foi livremente publicada (ou postada) independentemente de prévia autorização de quem quer que seja e, acionada posteriormente, a justiça entendeu e decidiu que o conteúdo viola as disposições constitucionais e legais e os seus limites. Como parece evidente, para que seja resolutiva esse tipo de decisão, é cabível a concessão de liminar ou tutela de urgência.
Sim, existem limites à liberdade de expressão, já muito bem delimitados constitucionalmente.
Utilizemos os mecanismos políticos e jurídicos que o Estado Democrático de Direito coloca à disposição para impedir que o seu exercício irresponsável e abusivo, com deliberada distorção de fatos, utilização massiva de táticas de desinformação, práticas de crimes em geral e de crimes contra a democracia, todas efetuadas em larga escala e com respaldo (ao menos, por omissão) de muitas dessas plataformas comandadas por big thechs, comprometa a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.