O amor surgiu numa idade não mais reservada as paixões, e essa foi avassaladora a atingir meu coração de cheio. Não consegui resistir. Rendição completa, lhe delegando o comando total. De quando em quando, deixei escapar de modo escancarado a atração que me consumia. Passou despercebida, apesar da clareza dos textos. Pois ocorreu agora, no vigor dos setenta e cinco anos, a aproximação com a pretendida. Enfim, o sonho se realiza. Estamos juntos, vivendo o que antes parecia impossível. Durou poucos dias. A convivência, em pouco menos de um mês, deixou cair a máscara de pesada e inconveniente, em suma, de difícil trato.
Não tive outra solução senão me livrar dela, e, mais, maldosamente, trocando por sua irmã, de altura inferior, carregando uma semelhança danada com a excluída. Talvez fosse essa o objeto de minha paixão, e, eu, embriagado, descarregasse a munição na mais alta. Festejei a troca, sobretudo porque nenhuma reclamação foi efetuada, nem demanda de indenização intentada. Retirou-se calada, enquanto a irmã passou a me acompanhar, e por incrível que pareça, com as mesmas virtudes e idênticos defeitos. Apesar de mais baixa, falava mais alto, revelando-se igualmente pesada na sua condução, não me permitindo caminhar ao seu lado com tranquilidade, e, então, a frente, o sinal vermelho disparou, o problema permanecia. Reiterei a solução: parar o veículo e pegar outra. Traduzindo: trocar, outra vez, de companhia.
Agora, a terceira irmã, de pouca semelhança, no físico, com as duas anteriores, aparência modesta, simples, que conhecia, embora nunca nela tivesse deitado os meus olhos, à míngua de atração que nunca me exerceu. Escolha que fiz por falta de outra opção, porque a quarta e quinta são volumosas, permanentemente roucas, nem me magnetizavam em momento algum. Justamente a mais modesta, sem o encanto das mais velhas, foi a escolha jubilosa, ventura alcançada sem o suporte de sonho antecedente. Agora é vive-lo em lua de mel permanente.
Para não parecer o que o texto revela, esclareço: o objeto da paixão foi um sax tenor, mui grande e pesado para ser carregado. A troca ocorreu por um sax alto, menor, mas quase com o mesmo peso. A terceira e escolhida, o sax soprano. As irmãs, roucas, o sax barítono e sax alto.
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras