O paralelo entre o passado e o presente na política brasileira pode ser desenhado na forma como o país trafega por desafios de polarização, mudanças partidárias e respostas a crises, na busca de manutenção do equilíbrio e integridade das suas instituições. Observar esses padrões históricos oferece insights valiosos sobre os desafios e oportunidades atuais do Brasil.
A Primeira República pode ser um ponto de referência. Dois grandes partidos dominavam o cenário político brasileiro durante o Império: o Conservador e o Liberal. A elite agrária era o maior esteio de ambos. Apesar disso, era possível identificar algumas diferenças entre eles.
O Partido Conservador, mais favorável à monarquia e com uma visão mais tradicionalista, defendia a centralização do poder. Já o Liberal, com uma postura mais progressista, apoiava uma maior autonomia das províncias. Do interior dele e de outras fontes de insatisfação com o regime monárquico, nasceu o Partido Republicano Paulista, que, posteriormente, com o apoio de congêneres de outros estados, militares e civis sem vinculação partidária, triunfou no golpe de 15 de novembro de 1889.
A queda da monarquia e a proclamação da República marcaram uma nova fase na política brasileira, com a emergência de novos partidos e ideologias. A estrutura federativa, implantada com a Constituição de 1891, e o forte regionalismo marcaram a fisionomia política republicana, com partidos de cunho estadual.
No âmbito federal, a alternância do poder ocorria principalmente entre próceres de São Paulo e Minas Gerais, ou ungidos por estes, refletindo a força econômica desses estados. Famílias ricas e influentes frequentemente controlavam o poder político local e faziam permutas de apoios: asseguravam a eleição presidencial em troca da garantia de continuidade de comando estadual. Era a “política dos governadores”. O domínio dos Partidos Republicano Paulista (PRP) e Mineiro (PRM), representando os interesses das elites agrárias dessas unidades federadas, ficou conhecido como a “política do café com leite”. São duas chaves para compreensão desse período.
A partir da década de 1920, o cenário partidário começou a se fragmentar mais e para além dos parâmetros estaduais. O que era monocórdio passou a ser gradativamente polifônico. Vários fatores contribuíram para isso: a ascensão de novos grupos sociais, como a classe média urbana, exigindo maior participação política; a insatisfação dos não agraciados com a “política do café com leite”, vista como elitista e corrupta; e a influência de movimentos políticos externos, como a Revolução Russa de 1917.
Esse seccionamento de interesses políticos, sociais e econômicos, dentro de uma sociedade cada vez mais complexa, resultou no gradual surgimento de novas agremiações, como o Partido Democrático, o Libertador e o Comunista Brasileiro. Os novos grêmios representavam uma diversidade de interesses, ideologias e regiões maior que a anterior.
Para além da mera estrutura partidária, eventos gestados no seio da sociedade também fustigaram o establishment. A Campanha Civilista de Ruy Barbosa foi um marco na busca pela quebra da alternância oligárquica. O advento das organizações sindicais, apresentando pautas de reivindicações de trabalhadores, até então sem voz ou sufocadas. O Tenentismo, um movimento de oficiais de baixa e média patente do Exército buscando reformas políticas e sociais, foi o movimento emergente mais relevante desse período. Eles estiveram no centro dos frustrados levantes de 1922 e 1924, e participaram da Revolução de 1930.
Liderada por Getúlio Vargas, a Revolução de 1930 derrubou a Primeira República, um momento decisivo na história brasileira que levou a uma reorganização completa do organismo político e partidário. Os partidos da Primeira República perderam relevância e deram lugar a novas formações com ideologias e objetivos diferentes, moldando o sistema representativo brasileiro para as décadas seguintes.
O Poder Legislativo foi fechado em todo o país. Vargas estabeleceu um governo provisório que concentrou o poder nas mãos do governo federal, abatendo a autonomia dos estados e, consequentemente, dos partidos políticos regionais.
Conquanto ditador, Vargas era forçado a negociar com diferentes grupos e facções, incluindo tenentistas, oligarquias estaduais, militares e setores urbanos, levando a uma política de conciliação, mas também a conflitos, como a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo.
A Revolução Constitucionalista de 1932 estourou quando os paulistas, insatisfeitos com a perda de poder e com a falta de uma constituição, se levantaram contra a ditadura. A revolução, apesar de debelada, acelerou a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte em 1933, que foi precedida pela edição de um Código Eleitoral.
O Código Eleitoral de 1932 introduziu o voto secreto, tornou o sufrágio universal para os cidadãos brasileiros adultos (com algumas exceções), afirmou o direito de voto às mulheres e criou a Justiça Eleitoral. Estabeleceu o sistema proporcional para eleições parlamentares.
A nova legislação ensejou um ambiente mais regulado para os partidos políticos. A gênese da Justiça Eleitoral profissionalizou a gestão das eleições, reduzindo a influência de grupos locais, concedendo melhores ferramentas para o início do combate à corrupção no processo eleitoral. O Código também regulamentou o registro de candidaturas pelos partidos políticos, contribuindo para a organização e formalização das estruturas partidárias.
Esses progressos, no entanto, decorreram de duas revoluções sucessivas e não foram sustentados por muito tempo, exigindo, mais adiante, novos esforços democratizantes.
A política brasileira é furiosamente dinâmica. Mas há também o que fica, aquilo em que não há ininterrupção. Por aqui, às vezes, as coisas mudam um pouco, para não terem de mudar muito. Cede-se para que o eixo não se quebre.
É o persistente dilema “reforma ou revolução”, “estabilidade ou ruptura’, “adaptação ou desconstrução”. Para construir um Brasil mais equitativo, com um sistema político mais representativo e resiliente, é preciso aprender com o passado e promover reformas institucionais contínuas. Isso inclui fortalecer as instituições democráticas, atender efetivamente às reivindicações das camadas sociais desfavorecidas, promover o diálogo e a tolerância em meio à diversidade, e adaptar-se a um mundo em rápida transformação. Essas medidas são vacinas contra revoluções e golpes de estado.