Inês está morta. Inês continua morta. Inês não se dá ao trabalho de ressuscitar, malgrado o tempo da sua morte para cá. Talvez Inês tenha se acostumado à morte, escondida num bonito mausoléu, no interior de uma igreja em Portugal, que, para vingança do saudoso amado, é segurada pelos bandidos que assassinaram-na, bandidos que, do corpo original, só mantiveram o focinho, digo, o rosto. O resto é de animal, na execução da pena mais longa da história.
Malgrado os séculos passados, Inês permanece morta e os assassinos a cumprir pena de sustentar o seu mausoléu. Não sei o que ganhariam, se a autoria não tivesse sido descoberta, os executantes [menos um, que fugiu para Paris] presos, executados, transformados, depois, em animais ferozes com o rosto de cada um deles, de quatro pés, especando o túmulo de Inês, quem Diabo os mandou matar a favorita do rei, mil vezes pior que futucar caixa de marimbondo com vara curta, além do que, túmulo pesado, todo de pedra, e os assassinos ali, se arrastando no chão da Igreja, engatados por pena, que não finda enquanto Inês estiver morta.
Penso que não convém a Inês deixar de estar morta, no que trocou a condição de amante do rei – quem sabe se uma a mais? -, para se tornar a sua grande amada, o nome passando de geração em geração, na célebre frase – é tarde, Inês está morta -, e, independentemente do monarca ser casado, ninguém tomou partido da esposa traída – que devia ser bem feia ou chata -, possibilitando a Inês tocar castanholas para o rei, que, então, trescalado de paixão, só via o sol da manhã nascer nos olhos de Inês, eita Inês bonita danada, que, se fosse hoje, terminaria como porta-estandarte de escola de samba, o Rio e São Paulo se digladiando por sua presença, ou, de repente, quiçá, fazendo o principal papel feminino em novela da Globo.
Não fosse a morte, Inês seria mais uma amante do rei, sem o choque da abrupta separação que o crime ensejou deixando-o fulo de raiva. Inês morreu e o rei condenou seus assassinos e igualmente as gerações futuras para ninguém esquecer que Inês está morta da silva e dos anzóis. Amém.