ARACAJU/SE, 15 de novembro de 2025 , 11:12:50

Inteligência Artificial na Saúde: Promessa de Eficiência e Novo Paradigma da Judicialização

José Anselmo de Oliveira

A Inteligência Artificial (IA) deixou de ser uma promessa futurista para se tornar uma ferramenta presente e transformadora no setor da saúde. Globalmente, e com crescente relevância no Brasil, seu potencial para otimizar diagnósticos, personalizar tratamentos e gerir sistemas complexos é vasto. Contudo, essa revolução tecnológica traz consigo um debate econômico e ético profundo, especialmente sobre os custos no Sistema Único de Saúde (SUS) e na saúde suplementar, e como o Poder Judiciário responderá a esses novos dilemas.

No panorama mundial, a IA já demonstra seu valor. Algoritmos de deep learning analisam exames de imagem, como radiografias e ressonâncias magnéticas, com uma precisão que rivaliza ou supera a de radiologistas experientes, detectando cânceres e outras anomalias em estágios iniciais.

Essa detecção precoce não é apenas clinicamente vantajosa; é economicamente crucial. Tratamentos em fases iniciais são, via de regra, menos invasivos e significativamente mais baratos. Além disso, a IA está acelerando a descoberta de novos medicamentos e otimizando a gestão hospitalar, prevendo picos de internação e gerenciando leitos de forma eficiente, o que reduz o desperdício e os custos operacionais em países da Europa e nos Estados Unidos.

No Brasil, a implementação da IA reflete a dualidade do nosso sistema de saúde.

No Sistema Único de Saúde (SUS), no setor público, um sistema de escala continental e cronicamente subfinanciado, a IA surge como uma esperança de “fazer mais com menos”. O potencial está na gestão de dados epidemiológicos para prever surtos de doenças (como dengue ou zika), na organização de filas de transplantes e na triagem de pacientes em unidades de pronto atendimento. O desafio é o investimento inicial. A implementação de prontuários eletrônicos unificados e a capacidade de processamento de dados em larga escala ainda são gargalos que impedem a adoção generalizada dessa tecnologia.

Na Saúde Suplementar, no setor privado, a realidade é outra. Grandes grupos hospitalares e operadoras de planos de saúde já investem pesadamente em IA. Isso se traduz em cirurgias robóticas assistidas por IA, diagnósticos avançados e programas de medicina personalizada. Para as operadoras, a IA é uma ferramenta vital para controlar a sinistralidade, auditando contas médicas, identificando fraudes e criando modelos de saúde preventiva para seus beneficiários. O risco, aqui, é a criação de um abismo tecnológico, onde os tratamentos mais avançados ficam restritos a quem pode pagar.

O fenômeno da judicialização da saúde no Brasil é intenso, e a Inteligência Artificial pode atuar como um acelerador ou um freio desse processo. O impacto será duplo e paradoxal.

Como um Freio (Redução de Custos e Demandas): Por um lado, a IA pode fornecer aos gestores públicos e privados ferramentas robustas para embasar suas decisões. Se um algoritmo, baseado em milhões de dados, demonstrar que um determinado tratamento de alto custo possui baixa eficácia comprovada, a recusa de cobertura ganha um embasamento técnico e objetivo muito mais forte para ser defendido em tribunal. A IA pode ajudar a criar protocolos clínicos mais justos e baseados em evidências, reduzindo a margem para decisões subjetivas que hoje geram litígios.

Como um Acelerador (Novas Tecnologias, Novas Demandas): Por outro lado, a IA é a força motriz por trás da medicina de precisão — tratamentos genéticos e terapias personalizadas de custo astronômico. À medida que essas novas terapias surgem, é inevitável que pacientes recorram à Justiça para obter acesso, invocando o direito constitucional à saúde. O Judiciário será cada vez mais provocado a decidir sobre a incorporação de tecnologias caríssimas, cuja eficácia pode ser alta, mas cujo custo pode desestabilizar o orçamento do SUS ou o equilíbrio dos planos de saúde.

A Inteligência Artificial não é, portanto, apenas uma atualização tecnológica; ela é uma reconfiguração sistêmica. Ela promete reduzir custos com eficiência e prevenção, mas também ameaça inflacioná-los com inovações de alto valor. Para o Brasil, o desafio não é apenas implementar a tecnologia, mas preparar o sistema de saúde e, crucialmente, o sistema de Justiça, para mediar a tensão entre o que é tecnologicamente possível e o que é financeiramente sustentável.