Quando Rodrigues Alves (1848-1919) foi eleito presidente pela segunda vez, em 1918, a sua escolha já tinha sido especialmente incomum para a lógica política daqueles anos. A ausência de outros nomes nacionais de consenso, forçou às elites regionais buscarem o sucessor de Wenceslau Brás (1868-1966) no encanecido ex-presidente da República (que também fora conselheiro do Império, senador, governador/presidente de São Paulo e ministro de Estado). O problema foi que a gripe espanhola alcançou o vetusto político pouco antes de sua posse em novembro e, em 16 de janeiro de 1919, ele faleceu.
O seu vice-presidente, Delfim Moreira (1868-1920), assumiu interinamente. Foram convocadas novas eleições, como ordenava a Constituição de 1891. Moreira, logo se descobriu, não demonstrava estar em pleno gozo de suas faculdades mentais. Ele padecia de alguma doença que afetava a sua compreensão da realidade (suspeita-se de senilidade precoce, sífilis ou Alzheimer). Mesmo assim, governou por oito meses até que o presidente escolhido pelas urnas – pelas oligarquias, seria melhor dizer – fosse empossado.
Esse presidente não seria fácil de encontrar. A “Política do Café com Leite”, que alternava indicações acordadas entre paulistas e mineiros, não tinha nomes dessas duas procedências capazes de aglutinar os demais estados. As mesmas dificuldades de pactuação da eleição anterior se faziam presentes, até por conta do breve intervalo entre uma disputa e outra. A geração que proclamou a República já estava ou por demais idosa, ou já havia falecido. Nomes novos eram incógnitas e, por isso, evitados. Rodrigues Alves fora um achado e não estava mais disponível e Delfim Moreira era impensável.
Depois de alguma pesquisa, encontrou-se de Epitácio Pessoa (1865-1942) como solução.
Ele nasceu em Umbuzeiro, Paraíba. Ficou órfão muito cedo, mas estudou sob os cuidados de seu tio, o Barão de Lucena. Formou-se em direito, em Recife, em 1865, e fez carreira em cargos públicos importantes a partir daí. Foi eleito deputado constituinte em 1891, nomeado ministro da Justiça, em 1898, e empossado no Supremo Tribunal Federal, em 1902. Teve assento ali por dez anos. Por um breve período, foi Procurador-geral da República (no modelo da época, um dos ministros exercia essa função) e se aposentou por razões de saúde (hoje, dir-se-ia “por invalidez”), em 1912.
Os problemas vesiculares que o obrigaram a tirar inúmeras licenças médicas e a se aposentar precocemente, não o impediram de ser eleito senador, logo depois. Quando o Brasil, que houvera declarado guerra contra a Tríplice Aliança, fez jus a uma delegação na Convenção de Paz de Versalhes, seu nome foi escolhido para chefiar o grupo brasileiro. Foi lá que os debates eleitorais decorrentes da morte de Rodrigues Alves o encontraram.
Ruy Barbosa (1849-1923) lançou-se candidato, como sempre. Seu nome rapidamente ganhou corpo nas classes médias. Diante desse fato, as lideranças do establishment precisavam agir rápido. Ruy era uma ameaça à estrutura de engenharia de poder que se fixara desde os primórdios republicanos: defendia eleições com voto secreto e sem fraudes. Naquele tempo, isso era subversivo.
Foi convocada uma “convenção nacional”, com lideranças partidárias de todo o país (naquele momento, os partidos não eram necessariamente nacionais, mas, de regra, estaduais). No conclave, ocorrido em 25 de fevereiro de 1925, sob a presidência do mineiro Artur Bernardes (1875-1955), que reuniu as eminências políticas de então, escolheu-se Pessoa para “disputar” a presidência contra o baiano. Nessa assembleia, o paraibano teve 139 votos contra 42 de Ruy.
As aspas em “disputar” não são ociosas. O fato de o ungido estar no exterior e nem sequer poder fazer campanha seria irrelevante. Ele venceu o prélio, sem maior dificuldade, com 249.342 votos, contra 118.303 do adversário baiano.
Durante a campanha, Ruy fez o que estava ao seu alcance: viajou, realizou comícios, caminhadas, reuniões, escreveu aos jornais. Denunciava a inelegibilidade de um candidato que fora aposentado por invalidez. Escancarava a hipocrisia do regime. Do outro lado, Clóvis Bevilaqua (1859-1944), autor do anteprojeto de Código Civil (aliás, encomendado quando Pessoa era ministro da Justiça), deu parecer em favor da candidatura de Epitácio, assinalando que o árbitro final da licitude das candidaturas era o Congresso Nacional, que faria a validação dos resultados das urnas (como fez).
A ausência de Pessoa durante o período de campanha foi uma pena. Teria sido interessante dispor do debate público entre dois dos maiores juristas do país: um ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (que, segundo consta, jamais votou vencido) e o maior advogado brasileiro de todos os tempos.
Ambos tinham sérios senões. O liberalismo de Ruy o levou a ser uma voz antivacina, confrontando Oswaldo Cruz (1872-1917) em seu combate à varíola. Pessoa era um racista sem pejo, a ponto de recomendar que atletas negros não fossem convocados para a seleção brasileira de futebol. Apesar disso, especialmente aos olhos dos homens de seu tempo, o tamanho dos dois no cenário jurídico da época era imenso.
Pessoa foi escolhido juiz da Corte Permanente de Justiça Internacional, em Haia, na Holanda, o primeiro brasileiro a ter assento ali, entre 1924 e 1930. O primeiro, de fato, mas só por causa de uma debilidade de saúde de seu adversário eleitoral de 1919, que já pontificara naquele lugar. Na mesma cidade dos Países Baixos, em 1907, Ruy Barbosa participou da 2ª Conferência Internacional de Paz, em que se destacou enormemente. Seu desempenho valeu-lhe o apelido de Águia de Haia, dado pelo Barão do Rio Branco (1845-1912), epíteto pelo qual ficaria para sempre conhecido. Por essa reputação, Ruy também foi escolhido para a Corte Internacional de Justiça, em 1921, mas, fisicamente fragilizado, jamais tomou posse. Foi exatamente a cadeira do baiano que o paraibano ocupou.