ARACAJU/SE, 28 de agosto de 2024 , 0:59:40

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O convênio

Uma simplificação rotineira costuma supor que, uma vez concebida por Campos Sales (1841-1913), a “Política dos Governadores” produziu presidentes da República em série, sem maiores incidentes. Essa crença contraria a própria natureza da política, na qual cada palmo de poder é disputado com ardor.

Em 1902, a sucessão de Sales, com a eleição de Rodrigues Alves (1848-1919) e o seu vice, Silviano Santiago (1848-1902), parecia validar essa ideia equivocada. A ela era somada a suposição de que a parceria São Paulo-Minas Gerais era consistente, pacífica e operaria, sem maiores dificuldades, a sucessão de chefes de governo no plano federal (“Política do Café com Leite”). No entanto, mais de um paulista, mais de um mineiro e todo o restante dos políticos dos demais estados tinham as suas aspirações e preferências presidenciais. É nesse contexto de disputa e conflitos inerentes que as instituições eleitorais, políticas e constitucionais precisam ser apreciadas.

Ao tomar posse, dentre outros compromissos, Rodrigues Alves suscitou a necessidade de melhoramento da legislação eleitoral. Nada fez nesse campo, porém. O sistema federativo, as eleições fraudadas e a concentração oligárquica de poder impunham um modo de escolha de governantes próprio, hoje não mais válido, mas que ainda tem repercussões.

Apesar dessa omissão reformadora legislativa, em muitas outras áreas o período de governo de Rodrigues Alves foi bastante realizador. Justamente em função de suas realizações, também foi muito cercado de tumultos e conflitos. Embora tenha saído aplaudido do Palácio do Catete, houve aguerrida resistência parlamentar, militar e popular às suas medidas urbanizadoras, sanitárias e políticas.

De sua gestão podem ser lembradas a reurbanização e a modernização do porto da Capital, a edificação do Teatro Municipal, da Biblioteca Nacional, do Instituto Manguinhos e do Palácio Monroe, novos prédios para as faculdades de Direito de São Paulo e Recife e para as de Medicina de São Paulo e Salvador, a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, além de melhoramentos em outras, como a Mogiana, a Central do Brasil e a Baturité. A isso aderem a edificação da Fortaleza da Lage, a compra de navios de guerra à Inglaterra e a solução de pendências como a incorporação do Acre ao território nacional, via Tratado de Petrópolis. Também as fronteiras com outros países foram pacificadas. Um legado relevante.

Mas a forma como a reurbanização do Rio de Janeiro foi realizada, ao tempo em que embelezou a cidade, despejou, desabrigou, desempregou e empobreceu a muitos, o que gerou sublevações. A Revolta da Vacina, em novembro de 1904, foi a maior delas. A uma resistência renhida à campanha de vacinação obrigatória indicada pelo sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917), somaram-se os descontentamentos da população pobre carioca, que tinha sido expulsa de suas moradias, com as reformas urbanas promovidas pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1836-1913), bem assim pelas novas posturas e regras sanitárias impostas por esse alcaide.

Acresceu-se a insatisfação de militares, cuja ideia de república e governo era descendente da ditadura de Floriano Peixoto (1839-1905), bem assim a de oposicionistas no Congresso. A rebelião, das mais violentas da história republicana, findou em poucos dias, com centenas de mortos, presos e desterrados.

Também no plano dos Estados houve insurreições políticas. Em Mato Grosso, em 1906, uma verdadeira guerra civil se estabeleceu entre dois grupos políticos, com derrota daquele apoiado pelo governo federal. Em Sergipe, a revolta conduzida por Fausto Cardoso (1862-1906) chegou a depor o governador Guilherme de Campos (1850-1923), mas tropas federais retomaram o governo e assassinaram o líder do movimento.

A vitória em quase todos esses incidentes e mais as obras acumuladas elevaram o prestígio presidencial. Todavia, Rodrigues Alves desgostava aos cafeicultores. Esses queriam maior intervenção estatal na economia, enquanto o presidente agia em comportamento absenteísta, liberal.

Isso cobrou seu preço. O seu governo inclinou-se pelo nome de Bernardino de Campos (1841-1915), para a sucessão. Ele houvera sido duas vezes governador de São Paulo, mas, dentro do âmbito do Partido Republicano Paulista, indispunha-se com muitos de seus correligionários. Suas ideias econômicas se aproximavam das de Rodrigues Alves, o que gerava, nesse seguimento, a busca por outro nome.

Campos Sales começou a crescer como alternativa ao preferido governista. Era apoiado pelos gaúchos, chefiados pelo senador Pinheiro Machado (1851-1915). Da Bahia, Rui Barbosa (1849-1923) se punha como candidato. Em Minas, o nome que se elevava era o de Afonso Pena (1847-1909), vice-presidente eleito após o falecimento de Silviano Santiago, ocorrido antes mesmo da posse.

As elites econômicas e partidárias do país formaram um bloco, chamado de “Coligação”, para indicar quem fosse mais forte do que o ungido pelo Catete. Elas se consumiram em reuniões, entrevistas e debates até que saltou desses conclaves a dupla Afonso Pena, candidato a presidente, e Nilo Peçanha (1867-1924), governador do Rio de Janeiro, a vice. Nos termos do voto de cabresto e a descoberto então praticados, a dupla não teve dificuldade alguma de ser reconhecida vencedora. Em rigor, embora outros nomes tivessem sido sufragados, Pena e Peçanha formaram uma candidatura única.

Empossado, Pena endossou a pauta do Convênio de Taubaté, o acordo feito pelos governadores de Minas, Rio e São Paulo. Por esse ajuste, dentre outras coisas, esses Estados comprariam parte da safra de café, a um preço mínimo pré-fixado, garantido por empréstimo estrangeiro, afiançado, por sua vez, pelo governo federal.

Brasil era uma república, mas não era uma democracia. A legislação eleitoral não mudara: seus vícios garantiram a chancela dos nomes ungidos pela plutocracia da época. Apesar disso, o clima nacional desse tempo desaconselha a leitura ordinária de pasmaceira política e de uma certa obviedade das sucessões.