ARACAJU/SE, 7 de agosto de 2025 , 3:34:01

O deputado lesa-pátria ou o patriotismo de ocasião

As Ordenações Filipinas em seu Livro V, Título VI, gênese histórica de nossa legislação penal, puniam severamente com a morte cruel, confisco de bens e infâmia hereditária, todos aqueles que praticassem o crime de Lesa-Majestade,

O autor de referida conduta ignominiosa era considerado responsável pela prática de uma traição contra o rei ou um atentado aos interesses do estado e a segurança do reino.

Qualquer ofensa a soberania nacional, insurreição ou exposição da Coroa a uma situação de perigo externo, configuraria lesa-majestade.

Em 1822 o Brasil conquista sua independência e ao editar sua própria legislação, a exemplo da primeira Constituição (1824), estampa no Código Criminal do Império (1830) os crimes de atentados à independência, integridade e dignidade da nação e as ofensas ao exercício dos poderes políticos.

O que antes era considerado crime de lesa-majestade passou a ser punido como lesa-pátria, existindo instrumentos jurídicos aptos a repelir e repudiar a conduta de quem agride os interesses do país, em comportamento de verdadeiro traidor dos deveres para com a pátria.

Referida postura continuou sendo tipificada na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), posteriormente revogada pela Lei nº 14.197/21 que redefiniu os crimes contra o Estado Democrático de Direito, inserindo os arts. 359-I a 359-T no Código Penal.

Portanto, lesa-pátria refere-se a uma conduta que provoca dano ou ofensa ao país e ao seu povo, uma agressão a algo ou alguém considerado sagrado, nobre ou fundamental para a sociedade. Se historicamente lesa-majestade era um crime contra a figura do monarca ou do estado, lesa-pátria se refere a ações que prejudicam a nação.

Os últimos acontecimentos envolvendo o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), revelam o reprovável comportamento de um verdadeiro “lesa-pátria”, passando referido parlamentar a se licenciar do mandato e como um trânsfuga, viver homiziado nos Estados Unidos da América de onde atua, sistematicamente, com o propósito de que os EUA imponham sanções ao Brasil e as autoridades do Poder Judiciário.

Em diversas manifestações transmitidas em suas redes sociais, além de entrevistas concedidas aos veículos da imprensa nacional e estrangeira, este congressista que no dia da posse na Câmara dos Deputados, em um gesto solene jurou respeitar e defender a Constituição Federal de 1988 passou a aplaudir a imposição de tarifas econômicas para o comércio de produtos brasileiros (carne, café, laranja, pescados, aeronaves, etc.), vibrando com a taxação que prejudica vários setores produtivos, resultando em desequilíbrio da balança comercial, aumento do desemprego, especulação com o dólar e total interferência nos negócios do país.

Além disso, referido parlamentar também comemorou as sanções americanas aplicadas aos ministros da Suprema Corte (cassação de visto de entrada para 08 integrantes do STF e seus familiares, impossibilidade de ter propriedades nos EUA ou manter qualquer tipo de transação com empresas americanas – bancos, financeiras, administradoras de cartão de crédito, etc.).

Poucas vezes se viu uma postura tão explícita de vilania impatriótica. Cuida-se de um atentado aberto e declarado aos interesses nacionais, resultando inescondível ofensa a todos os brasileiros que efetivamente amam seu país.

O grande escritor inglês Samuel Johnson, no século XVIII vaticinou que “O patriotismo é o último refúgio do canalha”. Esta sentença foi proferida em contexto que exigia uma profunda reflexão sobre o uso do patriotismo como fachada para justificar ações desonestas ou interesses próprios, atentatórios à coletividade e ao sentimento da nação.

Ser patriota é muito mais que vestir-se de verde e amarelo e cantar o hino nacional. Ser patriota transcende o uso da camiseta da seleção brasileira com o escudo da CBF, ser patriota corresponde a verdadeira demonstração de amor ao país, seus símbolos, seus vultos, fazendo isso com respeito à Constituição Federal e ao estado democrático de direito.

Muito mais que se enrolar na bandeira, o verdadeiro patriota defende os valores de seu país, os poderes constituídos, sua economia e os interesses nacionais, insurgindo-se e criticando com veemência esse pseudo-patriotismo de ocasião, concebido para manipular desavisados, onde alguns oportunistas se escondem atrás de uma falsa demonstração de amor à pátria para encobrir seus verdadeiros motivos, frequentemente egoístas, interesseiros e nocivos e neste caso completamente prejudiciais à soberania brasileira.

Quem defende a intervenção de um país estrangeiro em nossa economia e nas questões de estado, quem exalta sanções impostas às autoridades que integram um poder da república, quem declara que vai trabalhar para que os embaixadores brasileiros não sejam recebidos e ouvidos pelas contrapartes americanas, quem se esforça para que os meios legais de conversa civilizada entre as nações não ocorram e, passa a exibir uma lista de exigências (identicamente a um seqüestro em que o seqüestrador faz um pedido para permitir o resgate da vítima) para cessar referida conduta, pode ser qualquer coisa, menos um patriota de verdade.

Em uma lógica miliciana passou-se a condicionar o término das sanções impostas pelo presidente americano ao Brasil e aos ministros da Suprema Corte, à concessão de anistia aos envolvidos na intentona de 08 de janeiro, a saída do ministro Alexandre de Moraes do STF, o afastamento da inelegibilidade de Bolsonaro e a revisão de decisões judiciais anteriormente proferidas, em situação que configura interferência clara e direta na soberania nacional.

Isso não é negociação diplomática, mas uma postura que revela um entreguismo vergonhoso com feição de extorsão. A conduta desse deputado federal, além de resvalar no Código Penal, configura indiscutível quebra de decoro parlamentar. Deve ser processado criminalmente e ter o seu mandato cassado, pois absolutamente indigno de ocupar um assento na Casa Legislativa que representa o povo.

Espero que passada esta turbulência enfrentada pelo país, a racionalidade volte a preponderar e, por maior que seja a polarização política, existam conceitos intransponíveis e temas inegociáveis, independentemente da opção partidária-eleitoral-ideológica de cada brasileiro, que deve ser respeitada, não permitamos que nossa soberania seja vilipendiada e que traidores da pátria continuem impunes.

No fundo todos os brasileiros verdadeiramente patriotas devem reprovar esse comportamento colaboracionista que coloca “uma família acima de tudo, meus interesses acima de todos”.