ARACAJU/SE, 27 de outubro de 2025 , 21:20:23

O histórico julgamento dos golpistas: uma virada institucional

O Brasil viveu, em 11 de setembro de 2025, um dos momentos mais significativos de sua trajetória democrática. Pela primeira vez na história, um ex-presidente da República – Jair Bolsonaro – foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal, junto com outros agentes civis e militares de alta influência, em um julgamento por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Trata-se da Ação Penal 2668, que consagrou um rito jurídico extenso, transparente e constitucionalmente respaldado.

Não é exagero afirmar que o Brasil colecionou golpes de Estado, regimes autoritários e graves violações de direitos humanos ao longo de sua história, desde o golpe de 1964 até outros episódios menos formais, mas expressivos, de repressão política. Crimes de tortura, desaparecimento forçado, censura, repressão a opositores: muitos cometeram essas violações; poucos responderam por elas. Em muitos casos, agentes do Estado foram beneficiados por leis de anistia, por decisões controversas do próprio STF, ou simplesmente pela conjugação de interesses políticos que exigiam “pacificação”. Esse passado sem responsabilização completa deixou feridas que até hoje impactam a percepção de justiça no Brasil.

É aí que se insere a importância extraordinária do julgamento final da Ação Penal 2668. Jamais se viu um processo desse porte sob a égide do STF em que líderes políticos e militares fossem responsabilizados por um plano articulado de ruptura institucional – inclusive com ações preparatórias, divulgação de desinformação, uso de aparato militar, depredação de patrimônio público e invasão simbólica e real dos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Desde as investigações iniciais até o julgamento – passando pela propositura da denúncia pela Procuradoria-Geral da República, o recebimento da acusação pelo STF, a fase instrutória, sustentações orais, oitiva de testemunhas – todo o processo observou princípios constitucionais básicos: devido processo legal, contraditório, ampla defesa.

Houve debates sobre eventuais falhas procedimentais, sobre prazos, sobre competência de instâncias, mas nada que comprometesse a legitimidade geral do desfecho: os ritos foram respeitados; as provas, analisadas; as contestações, ouvidas. A condenação – que impôs penas de 27 anos e alguns meses de prisão para Bolsonaro, além de sanções para outros réus – demonstra que o STF se posicionou não apenas como instância julgadora, mas, também, como guardião da Constituição.

O julgamento renova princípios fundamentais: a democracia não é negociável; o Estado de Direito exige responsabilização especialmente de quem ocupou posições de poder. Este julgamento inaugura possibilidades concretas de justiça de transição no Brasil – revisão crítica de leis de anistia, fortalecimento de memórias institucionais, reconhecimento da verdade e responsabilização plena.

Mas não há avanço sem resistência. Logo após o julgamento, setores políticos reacionários reagiram com pressa. Na Câmara dos Deputados, foi aprovada a tramitação em regime de urgência do projeto de anistia para golpistas. Paralelamente, também se aprovou, na Câmara, a chamada PEC da Blindagem, que reintroduz barreiras à atuação do Judiciário contra parlamentares – exigindo autorização legislativa prévia para sua acusação criminal, o que, no contexto, representa retroceder à impunidade protetiva institucional.

Um gesto simbólico e político de enorme importância ocorreu no dia 21 de setembro de 2025: milhares de cidadãos e cidadãs foram às ruas de diversas capitais brasileiras para protestar contra a anistia aos envolvidos no golpe e contra a PEC da Blindagem. Artistas, movimentos populares, entidades civis, sindicatos se mobilizaram, clamando não por vingança, mas por justiça e memória.

Essa presença social, visível, organizada, reforça que a democracia não se sustenta apenas em decisões judiciais ou normas legais; sustenta-se no compromisso ativo da sociedade. Sem esse compromisso, há risco concreto de retrocessos, de reescrever a história, de naturalizar a impunidade.

O julgamento de 11 de setembro de 2025 marca um divisor de águas institucional. Mostra que é possível – ainda que com dificuldade – enfrentar o passado autoritário, responsabilizar quem atentou contra regras básicas da convivência democrática, assegurar justiça. Ele não apaga os danos, nem repara por completo todos os sofrimentos; mas funciona como um farol: aponta que democracia exige vigilância, transparência, memória, cidadania.

Não basta comemorar. É preciso manter a pressão democrática contra projetos de anistia e blindagem legal; defender uma Constituição que não admite perdão a crimes contra sua essência; fortalecer o entendimento de que a responsabilização não é ato político de parte, mas categoria essencial de justiça. Se esse passo enorme foi dado, que ele se transforme em movimento duradouro – institucional, social, educativo. Para que, enfim, nunca mais se esqueça, nunca mais aconteça.