ARACAJU/SE, 11 de maio de 2025 , 10:23:19

O Partido da Mocidade

Quem quiser um roteiro tedioso, não o busque na história político-eleitoral brasileira.

Quando Artur Bernardes (1875-1955) foi empossado na presidência da República, em 15 de novembro de 1922, o Brasil estava sob estado de sítio e nessa situação permaneceria por quase todo o seu governo. Epitácio Pessoa (1865-1942) havia enfrentado a Revolta do Forte de Copacabana, em julho de 1922, e a assunção de Bernardes foi cercada de receios de um golpe militar.

Como quem lembrasse que o seu próprio antecessor cogitara não lhe dar posse – Epitácio insinuou um autogolpe -, Bernardes tratou de desfazer, de imediato, algumas medidas de Pessoa. Paralisou obras no Nordeste e caracterizou publicamente a gestão financeira anterior como catastrófica. Na sequência, o governo federal interveio no Rio de Janeiro, base eleitoral de seu adversário Nilo Peçanha (1867-1924). Na Bahia, o governo federal também interveio em desfavor do grupo de J. J. Seabra (1855-1942), que era o vice da chapa de Peçanha, e empossou um aliado seu, Gois Calmon (1874-1932).

Confrontar não era suficiente. Para o presidente da República era preciso silenciar os opositores. Em novembro de 1923, Bernardes aprovou no Congresso Nacional uma Lei de Imprensa, que seria conhecida como “Lei Infame”, pois legitimava a censura a críticos do seu governo. Foi nesse cenário de radicalização política que espocaram conflagrações em diversos lugares do Brasil.

Em solo gaúcho, Assis Brasil (1857-1938) se contrapôs à quinta reeleição de Borges de Medeiros (1863-1961) no governo estadual. O estado meridional descambou para a violência desabrida. A oposição lançara o nome de Assis Brasil, apoiando-se em insatisfações acumuladas pela situação. A vitória de Borges de Medeiros foi contestada e Assis Brasil liderou um levante armado, para evitar a posse do adversário, em janeiro de 1923. Contudo, as forças situacionistas eram muito maiores. As escaramuças se espalharam. Articulações eram feitas no Rio de Janeiro em busca de intervenção federal. Como Borges de Medeiros houvera apoiado Nilo Peçanha na disputa eleitoral contra Bernardes, Assis Brasil tinha a esperança de atrair o presidente – e mais os estados de Minas Gerais e São Paulo – para a sua causa. Não conseguiu. O mediador indicado pelo governo federal, o general Setembrino de Carvalho (1861-1947) realizou reuniões com ambos os lados, alcançou um armistício em novembro, e, mais à frente, celebrou a paz. Em 14 de dezembro de 1923, foi assinado o Tratado de Pedras Altas, que aceitava Borges de Medeiros na condução do estado, mas afastava a possibilidade de reeleição. O voto a descoberto era banido e a nomeação do vice-presidente estadual e dos vice-intendentes deixava de ser atribuição do chefe do executivo, no âmbito constitucional local.

Em Sergipe, São Paulo e Amazonas irromperam, em julho de 1924, mais rebeliões, lideradas por jovens militares. No Amazonas, houve pouco sucesso na empreitada. Em Sergipe, o governador Graccho Cardoso (1874-1950) chegou a ser rendido e preso, em 13 de julho, mas as tropas federais retomaram o governo, em 3 de agosto.

No caso paulista, porém, a refrega foi mais intensa. Em 5 de julho, o movimento foi iniciado sob o comando do general Isidoro Dias Lopes (1865-1949). A capital assistiu a ataques de todas as formas, inclusive com granadas e canhões. O Palácio dos Bandeirantes foi tomado. O governador Carlos de Campos (1866-1927) se refugiou no interior. O governo federal bombardeou a capital, usando até aviões, e os revolucionários tiveram suas forças enfraquecidas. Em 29 de julho, o movimento foi derrotado. O saldo, porém, foi de muitas mortes (os números oscilam entre 500 e mais de mil), incontáveis feridos (entre quatro e cinco mil), além de saques e destruição de prédios, especialmente fábricas.

No Rio Grande do Sul, em outubro, estourou uma revolta análoga, que restou controlada, no começo de 1925. As lideranças e tropas vencidas em São Paulo e Rio Grande do Sul reuniram-se, formaram um batalhão que se pôs em marcha pelo interior brasileiro até 1927: a Coluna Prestes.

Todas essas agitações – que pediam, cada qual a seu modo, voto secreto, liberdade de imprensa, independência do Judiciário e o fim do modelo de privilégio de Minas Gerais e São Paulo da condução do processo político nacional – levaram Artur Bernardes a exercer o poder de forma cada vez mais autoritária, reforçando alianças oligárquicas sob o pálio do temor do caos provocado pelos movimentos tenentistas. Não por acaso, ele promoveu a única reforma constitucional incidente sobre a Constituição de 1891, em 1926, que facilitou a decretação de estado de sítio e mudava o regime jurídico do habeas corpus, restringindo-o.

Quando se abriu a discussão de sucessão, Bernardes teve condições de indicar o ex-governador paulista Washington Luís, para a chefia do executivo nacional, e o governador mineiro Fernando de Melo Viana (1878 – 1954), para a vice-presidência. Embora a preferência do presidente para a vice-presidência fosse a do ministro da agricultura, o baiano Miguel Calmon (1879-1935), acedeu à indicação do prócer mineiro, para evitar divisões relevantes. Era a política do café-com-leite operando com força total.

As dissidências estavam praticamente neutralizadas. Fundou-se, então, como movimento de protesto, o Partido da Mocidade, cujo manifesto exigia voto secreto, defendia direitos individuais prejudicados pela situação de sítio e criticava a subserviência do legislativo ao executivo. Foram lançadas as candidaturas de Assis Brasil e Alexandre José Barbosa Lima (1861-1931), de 59 e 54 anos, respectivamente. Não tão moços, portanto. A mocidade a que se referia o nome da agremiação, na verdade, eram os jovens oficiais, os “tenentes”, que energizavam, então, a política nacional, com o descontentamento em relação à forma como feita à época.

A eleição, realizada em 1º de março de 1926, como de costume, foi acusada de fraudes, mas, mesmo a oposição se rendeu ao resultado acachapante homologado pelo Congresso Nacional. Washington Luíz foi eleito com 688.528 votos contra 1.116 votos de Assis Brasil. Já Mello Viana teve 685.754 votos contra 1.112 de Barbosa Lima.

Os vencedores foram empossados em 15 de novembro de 1926. Foram, porém, os últimos da República Velha. O concerto das oligarquias dava o seu canto do cisne. Dali a quatro anos, os moços por eles derrotados e mais outros descontentes dessa orquestração já caquética formariam a Aliança Liberal, que, mesmo derrotada, promoveria a Revolução de 3 de Outubro de 1930.