ARACAJU/SE, 31 de julho de 2025 , 13:11:00

Os perigos da estratégia da extrema direita: o impeachment de ministros do STF como ataque às instituições

 

A democracia brasileira volta a ser alvo de uma ofensiva que, embora mais sofisticada em seus métodos, permanece brutal em seus objetivos. A extrema direita, em crescente articulação nacional (e internacional), não esconde mais seus planos: conquistar, em 2026, dois terços do Senado Federal, com o declarado propósito de levar adiante o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de um projeto político autoritário que ameaça diretamente a estabilidade institucional do país.

É preciso reconhecer que há fundamento constitucional para o impeachment de ministros do STF, previsto no artigo 52, II da Constituição, e regulamentado pela Lei nº 1.079/50. Essa norma, ainda vigente por recepção à Constituição de 1988, define os chamados crimes de responsabilidade, que podem ser denunciados por qualquer cidadão ao Senado Federal. Cabe àquela Casa a admissibilidade, o processamento e o julgamento, garantindo contraditório e ampla defesa. A condenação exige o voto de dois terços dos senadores e implica perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer função pública por até cinco anos.

Diferentemente do processo contra o Presidente da República, o impeachment de ministros do STF ocorre inteiramente no Senado. Por isso, a extrema direita concentra esforços eleitorais nessa Casa, no que diz respeito a essa específica estratégia. Além de julgar esses casos, o Senado também aprova, por maioria absoluta, as indicações presidenciais para o STF (outro motivo para essa ofensiva).

O que se observa, porém, é que o atual movimento não se baseia na apuração séria de eventuais desvios de conduta. Trata-se de uma campanha abertamente coordenada por lideranças, influenciadores e pré-candidatos de extrema direita, que afirmam ser necessário “limpar” o STF de ministros que têm atuado com firmeza contra os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 e demais ameaças ao Estado de Direito. O objetivo é punir juízes que cumpriram seu dever constitucional de proteger a democracia e, ao mesmo tempo, alimentar a retórica antissistema que sustenta a base eleitoral extremista.

Essa tentativa de transformar ministros do STF em inimigos políticos visa não apenas intimidar o Judiciário, mas também capturá-lo. Não se trata de corrigir abusos ou aprimorar o funcionamento da Justiça – pauta legítima e necessária – mas de minar sua independência por meio da coerção institucional.

O STF tem exercido papel central na contenção do avanço autoritário no Brasil. Desde a pandemia de COVID-19, quando enfrentou o negacionismo oficial, até a firme resposta aos atos antidemocráticos que culminaram nos ataques golpistas de janeiro de 2023, a Corte vem defendendo a ordem constitucional, combatendo desinformação e abusos de poder, inclusive de grandes plataformas digitais (as big techs). Essa postura tem custado caro: seus membros vêm sendo alvo de ameaças e campanhas difamatórias sistemáticas.

Agora, o novo capítulo da ofensiva é o projeto de obtenção de maioria qualificada no Senado para viabilizar impeachments com motivação política. Trata-se de uma agenda aberta, articulada por canais oficiais e paralelos, impulsionada por redes sociais, setores da mídia extremista e iniciativas internacionais. Algumas dessas articulações envolvem, inclusive, sanções simbólicas e tentativas de deslegitimar o Brasil e seus ministros junto ao governo dos EUA e a outras instâncias externas.

O precedente internacional é preocupante. Em países como Hungria e Polônia, a captura do Judiciário começou com reformas legislativas apoiadas por maiorias parlamentares eleitas sob o discurso da “renovação”. O desfecho foi o esvaziamento dos freios e contrapesos e a degradação da democracia constitucional. Esse processo, vale lembrar, não é imediato, mas progressivo, silencioso e amparado em aparente legalidade.

No Brasil, o discurso da “vontade popular” vem sendo instrumentalizado para deslegitimar instituições que operam precisamente como garantidoras dos direitos fundamentais. Essa é, inclusive, uma das funções centrais da jurisdição constitucional: limitar os eventuais abusos das maiorias e assegurar o respeito à Constituição, na proteção dos direitos fundamentais de todos e das minorias. Eleger senadores com o objetivo declarado de punir ministros do STF é, portanto, uma ameaça direta à independência do Judiciário.

O Senado tem papel decisivo nesse cenário. Cabe à Casa Legislativa agir com responsabilidade institucional e resistir à tentação do revanchismo político. Submeter ministros da Suprema Corte a ameaças de julgamento por sua atuação jurisdicional comprometeria a própria credibilidade do sistema de Justiça.

É legítimo e necessário criticar decisões judiciais, exigir transparência e debater reformas. O que não é admissível é transformar a Suprema Corte em alvo de retaliação por decisões que contrariem interesses eleitorais ou discursos extremistas.

Defender criticamente o STF, neste momento, é defender o Estado Democrático de Direito e a continuidade de um sistema político baseado em regras claras e instituições sólidas. A sociedade brasileira precisa estar atenta a esse projeto de corrosão institucional.