As projeções orçamentárias nos planos da equipe econômica do Governo Federal, dentro dos marcos do “novo arcabouço fiscal”, indicam a necessidade de mexer com os pisos constitucionais da educação e saúde.
Como o tema veio a público e gerou polêmica, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad negou que as medidas projetadas implicassem qualquer corte nos recursos da educação e saúde e que haveria compensações garantidoras. Finalmente, o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva criticou esse tipo de proposta discutida no seu próprio governo e apontou que não será efetuado ajuste fiscal “em cima dos pobres”.
É relevante resgatar a origem e a importância desses pisos, no contexto da garantia do financiamento da educação e saúde como direitos sociais fundamentais de todos e dever do Estado.
A Assembleia Nacional Constituinte optou, quanto ao financiamento da educação como serviço público a ser ofertado pelo Estado, em atribuir expressamente determinados percentuais das receitas públicas como fonte privativamente destinada aos investimentos nessa área.
É o que se lê no art. 212 da Constituição de 1988: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.”. Assim, a Constituição já predefiniu o mínimo de recursos públicos a serem aplicados em educação: da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, 18% (dezoito por cento) devem ser gastos pela União e 25% (vinte e cinco por cento) pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Tais recursos públicos, aplicáveis nos sistemas federal, estadual e municipal de ensino (art. 212, § 2º), serão destinados às escolas públicas (art. 213), podendo ser também a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei – desde que comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades (art. 213, incisos I e II). Poderão ainda tais recursos públicos ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando – ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade (art. 213, § 1º) – bem ainda a atividades universitárias de pesquisa, extensão e fomento à inovação (art. 213, § 2º).
Inspirada na mesma lógica, a Emenda Constitucional nº 29, de 13/9/2000, alterou dispositivos da Constituição para “assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde”.
Assim é que foi instituído o piso constitucional da saúde, no § 2º do art. 198: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I – no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento) (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 86, de 2015); II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 155 e 156-A e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, I, “a”, e II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023); III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 156 e 156-A e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, I, “b”, e § 3º (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)”.
Os direitos sociais fundamentais devem ser implementados e concretizados progressivamente, e isso implica necessariamente a alocação progressiva de recursos materiais.
Aliás, esse é compromisso do Estado Brasileiro também assumido internacionalmente, ao firmar o Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que, no, ponto, dispõe: “Parte II – Art. 2º Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas”.
Portanto, ao invés de projetar ataques frontais ou sub-reptícios aos pisos constitucionais da educação e saúde, o Estado Brasileiro deve priorizar seu planejamento econômico para ser capaz de garantir progressivamente mais recursos a serem investidos na prestação desses e de outros direitos sociais essenciais à dignidade da pessoa humana e à construção de uma sociedade livre, justa e solidária.