Os profissionais do direito mais antigos lembrarão que, ao final do Código de 1916, estavam as assinaturas do presidente Wenceslau Brás (1868-1966) e de seu ministro da Justiça, Carlos Maximiliano (1873-1960). Essa obra jurídica colossal marcaria esse governo, que não foi dos mais tranquilos.
Assumindo em 1914 e administrando até 1918, Brás teve de lidar com a Primeira Guerra Mundial, que praticamente coincidiu com o seu mandato. As consequências econômicas da gigantesca confrontação foram pesadíssimas, pois envolviam bloqueios comerciais, o que sacrificava as exportações nacionais. Isso exigiu medidas econômicas heterodoxas. Eclodiu a Revolução Russa em 1917, que pôs abaixo o regime dos czares e implantou um governo socialista. O mundo se transformava. A Guerra do Contestado (1912-1916), a Greve Geral de 1917, a Revolta dos Sargentos de 1915, tumultuaram seus anos presidenciais. Não bastando isso, já ao final de seu período, a pandemia de gripe espanhola chegou ao Brasil e produziu mortos aos milhares.
Mas, guerras, revoluções e pandemias não param a política. A grande figura dos bastidores, aquele que temperava a política interna para além do eixo São Paulo – Minas Gerais, com a articulação destes com os demais estados, o senador gaúcho Pinheiro Machado (1851-1915), já não mais pontificava. O prócer foi assassinado, a punhaladas, em 8 de setembro de 1915, no saguão do Hotel dos Estrangeiros, onde visitava um aliado político. Manso de Paiva, um conterrâneo seu, matou-o. Até hoje se discute se houve mandantes para o homicídio. Com isso, o caminho dos paulistas, que não ocupavam a presidência desde 1906, estava menos obstruído do que em momentos anteriores.
A concorrência estava debilitada. Haviam morrido figuras eminentes como o Barão do Rio Branco (1845-1912) e Bernardino de Campos (1841-1915). Ruy Barbosa (1849-1923) era evitado. Cresceu, assim, a força de Rodrigues Alves (1848-1919), ex-governador, ex-presidente (1902-1906) e então senador. Alves mal havia deixado o governo paulista e, com o falecimento do senador Francisco Glicério (1845-1916), foi escolhido para a cadeira senatorial vaga. Os partidos republicanos de Minas e de São Paulo costuraram então uma nova aliança “café com leite”: Rodrigues Alves para presidente e Delfim Moreira (1868-1920), então governador mineiro, como vice. Em outubro de 1917, a candidatura de ambos estava lançada.
A vitória foi fácil: Alves foi eleito, em 1º de março de 1918, com 386.467 votos. O ex-presidente Nilo Peçanha (1867-1924) somou 1.258 eleitores. Ruy Barbosa, sempre lembrado, teve 1.024 sufrágios. Delfim Moreira, por seu turno, foi votado por 382.491 eleitores, contra apenas 376 do general Emídio de Dantas Barreto (1850-1931).
Uma observação. Naquele tempo, as regras eleitorais eram muitíssimo distintas das atuais. Formalmente candidatos foram apenas Alves e Moreira, os demais foram votados sem inscrição, por assim dizer, na disputa. Logo, não foi exatamente uma eleição, mas a convalidação de candidaturas únicas. Uma aclamação, enfim.
A posse presidencial estava agendada para 15 de novembro de 1918, mas já então grassava a gripe espanhola. O presidente eleito caiu doente (provavelmente dela, mas há dúvidas quanto a isso), em outubro, e ficou impedido de tomar posse. Em seu lugar, assumiu Delfim Moreira, enquanto o titular convalescia. Tendo melhorado um pouco, cogitou tomar posse, mas faltaram-lhe forças e ele morreu em 16 de janeiro de 1919.
Surgiu um problema. Investido na presidência, descobriu-se que Moreira não agia de modo coerente, revelando nítidos problemas cognitivos. Especula-se que padecesse ou do Mal de Alzheimer ou de alguma demência precoce que lhe afetava o gozo das faculdades mentais. O ministro da Viação Afrânio de Melo Franco (1870-1943) tornou-se, assim, uma espécie de curador, auxiliando a tomada de decisões. O período ficou conhecido como “regência presidencial”. O cáustico Ruy Barbosa assinalou: “Que estranho país é o Brasil onde um louco pode ser presidente da República e eu não posso!”.
Tudo era realmente muito estranho. O primeiro presidente reeleito da história do Brasil não conseguiu tomar posse para seu segundo mandato. Um presidente já houvera morrido no curso de sua gestão – Afonso Pena (1847-1909) – mas nunca antes houvera ocorrido algo como a morte do eleito antes da posse. Delfim Moreira estava, assim, por força da Constituição de 1891 (artigo 42), obrigado a convocar novas eleições. Elas ocorreram em 13 de abril daquele ano. Sairia vitorioso o paraibano Epitácio Pessoa (1865-1942).
A morte de Rodrigues Alves não foi a única vez, infelizmente, em que um presidente faleceria entre a sua eleição e a sua posse. O drama também se repetiu, com imensa comoção nacional, com Tancredo Neves (1910-1985). Ele foi escolhido pelo colégio eleitoral, em 15 de janeiro de 1985. Entretanto, na véspera – precisamente na noite da véspera – de sua posse, que deveria ocorrer em 15 de março de 1985, foi internado no Hospital de Base de Brasília. Ele agonizou durante mais de um mês, com noticiário público permanente, até que, em 21 de abril de 1985, faleceu. Seu funeral foi um dos mais comoventes já acontecidos no Brasil, porque ele era visto como o fiador da redemocratização, após mais de duas décadas de ditadura militar.
Durante o padecimento de Tancredo, assumiu, interinamente, e, depois, em caráter definitivo, o vice, José Sarney (1930). Nos termos da Constituição de 1967-69 (artigo 81), a eleição somente seria necessária se os dois cargos ficassem vagos. Por isso, diferentemente de Delfim Moreira, ele não precisou convocar novas eleições presidenciais e concluiu o mandato, que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 reduziu de seis para cinco anos (artigo 4º). A faixa presidencial foi passada, em 15 de março de 1990, a Fernando Collor de Mello (1949).
Se o Brasil tivesse um roteirista, ninguém poderia acusá-lo de ser tedioso, mesmo em suas repetições.