ARACAJU/SE, 11 de maio de 2025 , 10:40:46

Ouro Fino

Uma conhecida e bastante triste canção começa assim: “Toda vez que eu viajava pela estrada de Ouro Fino, de longe eu avistava a figura de um menino…” É “Menino da Porteira”, de Teddy Vieira e Luiz Raimundo, imortalizada pela voz, dentre outros, de Sérgio Reis. Talvez seja essa a referência mais famosa a essa cidade do sul mineiro, de pouco mais de 33 mil habitantes. Mas, no começo do século passado, deu-se lá um encontro de eminências políticas que resolveria o processo sucessório presidencial então em curso.

Havia sido eleito presidente da República, em 1910, de modo possivelmente fraudulento, o marechal Hermes da Fonseca (1855-1923). Ele era o candidato governista, apoiado por Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Nesse pleito, ele bateu o senador Rui Barbosa (1849-1923), que era, por sua vez, sustentado por São Paulo, Bahia e outros estados. Rui agitara o país com a primeira campanha presidencial brasileira de rua, com comícios, reuniões públicas e comunicação pela imprensa. A Campanha Civilista, porém, não conseguiu vencer as oligarquias que sustentavam o governo de Nilo Peçanha (1867-1924) e endossavam a pretensão do obtuso militar. Sem voto secreto, com voto de cabresto e anomalias que tais, viu-se mais um fardado despreparado ser alçado ao comando da nação.

O governo Hermes da Fonseca foi marcado pela tentativa de derrubar oligarquias regionais que lhe eram opositoras, pondo no lugar outras, que lhe seriam favoráveis, com a presença preferencial de militares. Foi a “Política das Salvações”, uma série de intervenções federais cuja truculência pode ser medida pelos bombardeios a Salvador, em janeiro de 1912.

O presidente era conhecido por sua falta de luzes e de habilidade política. Dizia-se que o real governante do país era o senador gaúcho Pinheiro Machado (1851-1915), que, no quadriênio hermista, dava as cartas no Catete.

Para complicar ainda mais as coisas, Hermes teve de lidar com muitos conflitos internos, além dos que diretamente criara. Foi no seu período de administração que eclodiu a Guerra do Contestado (1912-1916), conflito ocorrido em uma faixa territorial na divisa do Paraná e de Santa Catarina, no qual, por anos, o Exército e as forças de segurança locais tentariam debelar uma revolta popular. O saldo final foi de mais de 10 mil mortos. A violência sempre fez parte da gramática política brasileira.

Falando em violência, também em seus anos de gestão houve a Revolta da Chibata (1910), na qual marinheiros exigiam o fim de castigos físicos praticados contra os praças. Os revoltosos tomaram navios e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro. Sem forças imediatas para reagir, o governo cedeu e o Congresso aprovou uma anistia aos rebelados, que se renderam. Mas não se cumpriu o acordado. A muitos rebeldes a repressão prendeu e torturou, a vários baniu na Amazônia e a alguns simplesmente fuzilou, à margem da lei.

Abertos os debates sucessórios, apressou-se Pinheiro Machado a dar seu nome como candidato, mas as elites mineira e paulista não se agradaram com a ideia. Uma presidência calamitosa como a de Hermes da Fonseca precisaria de um sucessor de perfil conciliador e, como Pinheiro era o principal responsável pelas decisões estratégicas do presidente, não poderia ser ele essa pessoa.

Em busca de reconciliação nacional (leia-se, das oligarquias), o deputado Cincinato Braga (1864-1953), liderança do Partido Republicano Paulista, e o governador de Minas, Júlio Brandão (1858-1931), encontraram-se em 1913, na mesma Ouro Fino referida na canção sertaneja clássica. Eles então decidiram que os dois estados voltariam a alternar a condução nacional, usando para isso a força das suas representações no Congresso e na economia brasileira.

O “tratado” funcionou. A “Política do Café com Leite” voltou. Imediatamente, buscou-se um nome de consenso, encontrado na figura de Wenceslau Brás (1868-1966), mineiro e vice-presidente da República naquele momento, mas que praticamente não se envolvia na política cotidiana, preferindo a tranquilidade do recolhimento em sua fazenda em Itajubá. Para a vice-presidência, como compensação aos demais estados, foi indicado o senador maranhense Urbano Santos (1859-1922). O Catete, sem forças, apoiou essa candidatura.

Rui Barbosa, porém, não aceitou essa imposição e tentou reeditar a campanha oposicionista de anos anteriores. Lançou-se candidato, mas, sem sucesso em montar fortes alianças, foi batido pelas evidências de derrota. Renunciou à disputa.

Apesar disso, seu nome ainda foi lembrado nas cédulas. O resultado do pleito de 1º de março de 1914 foi a vitória de Wenceslau Brás, com 532.107 votos, contra 47.782 de Rui Barbosa. Para a vice-presidência, foi eleito Urbano Santos, com 556.127 sufrágios, contra 18.580 do senador paulista Alfredo Ellis (o que demonstra a existência de cisões oligárquicas, mesmo dentro do mesmo estado).

Registre-se, porém, que, como adiantado, a candidatura Barbosa-Ellis, do Partido Republicano Liberal, lançou um “Manifesto à Nação”, desistindo da disputa, publicado em “O Imparcial”, em 31 de dezembro de 1913. Nessa mensagem, disseram: “(…) o objeto da campanha eleitoral já não existe. Agora o que se disputaria, não era um governo, mas o espólio de uma casa roubada. O que há, é uma falência, econômica e financeira, política e institucional, por liquidar.”

Os tempos mudam, mas o Brasil segue, em muitas coisas, muito parecido.