ARACAJU/SE, 26 de dezembro de 2024 , 21:25:20

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Pra que pressa?

Anda e vira, Virgílio de Sá Marina de Zé de Filó, tabelião, está cheio de vontades e de indecisões. Ora quer namorar Belinha de Maria Flor, ora quer namorar Cida Porto, ora quer arrastar asas para Bianca, moça bem apessoada, pele aveludada, olhos de cobra verde, há pouco vinda de São Paulo para morar aqui em Brejão das Almas, trabalhando como dentista da Prefeitura, após passar em concurso público com apenas dois candidatos para duas vagas.

Belinha de Maria Flor é balconista na Farmácia Santa Maria, de Marcolino Peixoto, um ladrão contumaz na boca da freguesia. Morenaça da cor de jambo, olhos e cabelos mais negros do que a noite mais negra, sem luar e sem estrelas brilhando, como uma noite negra de tempestade à vista. Ela própria, Belinha, é uma tempestade de suspiros e de desejos.

Cida Porto é a riquinha do pedaço. Filha de Bosco Canuto, fazendeiro de muitas terras e muito gado nelore, mas também dono de empresas no comércio local e de quatro outras cidades das redondezas, nos ramos de supermercados e movelarias. Filha única, pois Dona Dolores, sua mãe, deu de perder outras três barrigas. Uma lástima! A moça está nos estudos, na capital, indo e vindo, com duas primas, todos os dias. Faz Administração. Uma herdeira boa para se dar o golpe do baú. Meio insossa, é bem verdade. Mas, um partidaço, para quem tem interesses além do mero relacionamento a dois.

Vadico, irmão mais novo de Virgílio, já teria se decidido se o indeciso fosse ele. Ficaria com Belinha, a balconista. Ele tem uma queda pelas morenas. E Belinha não é apenas uma tempestade de suspiros e desejos. É muito mais. Perfeito alinhamento de corpo e alma, uma pessoa do bem, alegre, criteriosa, filha de um casal exemplar, de classe média, modelo de honradez na sociedade. Uma menina. Dezessete anos, concluindo o ensino médio, para lançar-se em busca do curso de Farmácia. Vadico só não se joga pra ela porque já tem namorada, Sandra Alves, outro encanto de morena. Um pitéu.

Marcelinho Tanajura, primo muito chegado, aconselha que Virgílio dê logo o golpe do baú. Pra que esperar? Não está vendo que a herdeira ricaça só tem olhos pra ele? Então, no baile da Festa da Padroeira, ela não ficou de tró-ló-ló com ele um tempão, sem dar chances aos outros rapazes, que adorariam um piscar de olhos ou um sorriso que fosse dela? “Virgílio, meu mano, tu tá é mole! Deixe de fraqueza. Caía logo em cima do pote de mel”. Esse o conselho de Marcelinho, como sempre muito avexado.

O melhor amigo de Virgílio, fora os de casa, fora os da família, dentre os mais chegados, era Afonso de ‘seu’ Olívio Pereira. Colegas de escola, desde a alfabetização com a professora Lindaura, que teve a paciência de ensinar o bê-a-bá a três gerações, agora aposentada e sofrendo com um reumatismo desgraçado. Cresceram juntos nas escolas, dessa para aquela, e daquela para aquela outra. Amigos de fé. Irmãos, pode-se dizer. Este optaria pela dentista. Bianca. A galega com nomes e sobrenomes italianos. Afonso se deixa perder nos desvãos do tempo ao ouvir música romântica italiana. Gosta de filmes italianos. Sonha em conhecer a Itália, especialmente a Toscana. Um padre que passou um tempo em Brejão das Almas, Pe. Antonino, era da Toscana. Amigo da família. Falava pelos cotovelos, enaltecendo a sua região. “Vediamo. Tutto bene. La Toscana è belíssima!”, repete Afonso, como um papagaio, e com sotaque de voz de taboca rachada. Bianca Beatrice Rossi Conti. De autênticas famílias da terra de Gina Lollobrigida, a atriz que sua mãe, Dona Pureza, tanto enaltece. “Eu me entregaria à dentista, se não estivesse noivo de Mariana, e se o pai dela não fosse quem é, mais brabo que uma salamanta acuada”.

Como explicava o Pe. Antonino, a belíssima Toscana situa-se no centro da Itália. A capital, Florença, abriga algumas das obras de arte e arquitetura renascentistas mais reconhecidas do mundo, como a inenarrável estátua de Davi, de Michelangelo, as obras de Botticelli na Galleria degli Uffizi e a Catedral Santa Maria del Fiore, o Duomo. Sua paisagem natural diversificada abrange os montes Apeninos, as praias da ilha de Elba no Mar Tirreno e os vinhedos e oliveiras de Chianti. Ali, Afonso sonha em passar a lua de mel. “Só falta o tutu”, exclama Pitoco, seu irmão do meio.

Tarde de quarta-feira. Virgílio, advogado em início de carreira, sonhando com o concurso para juiz a realizar-se dentro de poucos meses, edital prestes a sair, está centrado no estudo. Acha que tem as três, Belinha, Cida e Bianca, no papo. É só escolher uma delas.

Voluntarioso, cheio de si, pra que pressa? Do jeito que vai, só deverá se casar quando chegar a desembargador.