*Evânio Moura
Vivemos em um país desigual e injusto que ainda não conseguiu implementar as garantias fundamentais e nem se distanciar de sua mentalidade autoritária. Apesar dessa grave situação, felizmente dispomos de uma Constituição Federal que valoriza e defende o respeito aos Direitos Humanos, alçando a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental (art. 1º, III, CF) e escolhendo a prevalência de referidos direitos nas relações internacionais (art. 4º, II, CF).
Além disso, nossa Carta Magna expressamente proíbe a tortura e qualquer tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, CF), veda as penas de morte, perpétua, trabalhos forçados, banimento e cruéis (art. 5º, XLVI, CF), estabelece diversos direitos da pessoa presa, inclusive da mulher encarcerada (art. 5º, incisos XLVIII, XLIX e L), aduzindo que os tratados e convenções que versem sobre direitos humanos quando aprovados com a observância do processo legislativo e respectivo quórum, possuem status de emendas constitucionais (art. 5º, §3º, CF).
Mesmo com essa preocupação estampada na Constituição Cidadã de 1988, promulgada após mais de 20 anos de governos ditatoriais, vários políticos fizeram carreira com o discurso populista de ataque às garantias fundamentais, valendo-se de populismo penal, sustentando argumentos ad terrorem, propalando que “bandido bom é bandido morto” e que “direitos humanos devem existir para humanos direitos”.
Dentre esses demagogos, um deles merece destaque por sua ferocidade. Em diversas oportunidades referido político sempre fez questão de enfatizar que desprezava os defensores dos Direitos Humanos, pautando seus discursos, entrevistas e propaganda eleitoral em falas, abordagens, expressões e frases grotescas.
Esse ex-líder, quando era deputado federal criticou a Comissão da Verdade afirmando que: “Direitos Humanos é esterco da vagabundagem”; ao falar sobre os processos de seu adversário vaticinou rindo que “A papuda te espera”; indagado acerca da rebelião no presídio de Pedrinhas/MA disse que “Morreram poucos. A PM tinha que ter matado mais”, principalmente porque “Bandido tem que apodrecer na cadeia. Vamos acabar com essa história de ficar com pena de encarcerado”.
Ainda sobre as condições desumanas dos presídios brasileiros e os direitos do condenado à progressão de regimes, o ex-deputado que viria a ser eleito presidente da república com mais de 57 milhões de votos em 2018 e perderia a reeleição em 2022, mesmo sendo seguido por mais de 58 milhões de brasileiros, tinha uma posição bem clara: “Como não podemos condenar ninguém por prisão perpétua, que, pelo menos, se cumpra 30 anos de cadeia. Vamos acabar com progressão de pena”; “Presídio cheio só é problema para quem cometeu crime”; “Quem não quer ir para cadeia é só não fazer nada de errado. Quem está lá, está porque mereceu”.
Esse mesmo indivíduo, quando era parlamentar se insurgiu contra a luta para a criação de uma Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos na ditadura, afixando um cartaz em seu gabinete com a seguinte ofensa: “Quem procura osso é cachorro”.
Sempre destratou as mulheres, chegando a afirmar para uma colega deputada que ela “não merecia ser estuprada”. Além disso, em pleno salão nobre da Câmara dos Deputados cuspiu no busto do ex-deputado Rubens Paiva no dia da inauguração, na presença dos familiares do homenageado e de seus amigos.
Para coroar o rol de infâmias e agressões aos Direitos Humanos e seus defensores, no dia 17.04.2016, sabendo que o país assistia à votação da admissibilidade do processo de impeachment da ex-presidente pela TV, ao ser chamado ao microfone disse em alto e bom som: “pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o terror de Dilma Rousseff, eu voto sim”.
O militar homenageado pelo então deputado federal foi condenado e reconhecido pelo Poder Judiciário como torturador durante a ditadura militar, declarado algoz de várias vítimas, principalmente mulheres que eram sadicamente abusadas e seviciadas.
Eis que esse líder político, valendo-se do discurso de ódio contra minorias, proferido sempre de maneira sensacionalista, demonstrando não possuir o decoro para ocupar os cargos que fora investido, passa a figurar como réu perante o Supremo Tribunal Federal, tendo direito ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa, em julgamento público com decisões fundamentadas. Ao ser condenado pela prática dos crimes de tentativa de golpe de estado, atentado ao estado democrático de direito, organização criminosa armada e dano ao patrimônio público e, em razão do concurso material de crimes e por ser considerado o mentor de referidas condutas delituosas, teve sua pena fixada em 27 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado.
Enquanto os processos pela tentativa de golpe tramitam no Supremo Tribunal Federal fora apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.317/24 de autoria da deputada Duda Salabert (PDT-MG) e do deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), estabelecendo regras para a qualidade da alimentação nos presídios, combatendo o fornecimento de comida estragada, preparada sem condições mínimas de higiene e preocupação nutricional, configurando grave problema das cadeias brasileiras que não raro entregam refeições vencidas, insuficientes e impróprias para o consumo.
Todos os deputados integrantes do PL – Partido Liberal e das demais siglas que dão sustentação ao ex-político, quando do debate perante a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados votaram contra referido projeto de lei, afirmando ser uma regalia para bandidos.
Esses mesmos parlamentares, familiares e seguidores do ex-presidente agora preso, subitamente passaram a sustentar que os direitos humanos básicos dos encarcerados do 08 de janeiro não estão sendo respeitados.
Tem-se uma verdadeira ironia do destino: quem antes exaltava um torturador como Brilhante Ustra, agora quer garantias fundamentais e devido processo legal. Os mesmos que faziam arminha e aplaudiam a violência política com o uso de expressões tais como “vamos metralhar a petezada aqui do Acre”, agora pedem tolerância e respeito às divergências. Quem antes afirmava que “bandido bom é bandido morto”, agora se insurge contra penas elevadas, reclama do tratamento processual desigual, denuncia superlotação e ausência condições mínimas de dignidade nas cadeias.
Os mesmos parlamentares que votaram contra o PL 4.317/24 não enxergando nenhum problema em fornecer comida podre para os detentos, agora reclamam das péssimas condições dos presídios em que se encontram encarcerados os participantes da tentativa de golpe de estado.
Esses fatos recentes serviram para de forma dolorosa desnudar a hipocrisia e ensinar aos populistas que se elegem vociferando contra os Direitos Humanos a resposta ao questionamento que dá título ao presente artigo: todos precisamos dos Direitos Humanos e defendê-los não é buscar privilégios ou perdoar delinquentes, mas tratar os cidadãos, indistintamente, com dignidade e respeito.
Espero que a lição seja aprendida em definitivo e que nossa sociedade compreenda que a luta pelos Direitos Humanos é uma bandeira a ser desfraldada e empunhada por todos, independente da ideologia de cada indivíduo. Até porque, amanhã, eu, você ou nossos adversários, podemos sentar no banco dos réus. Nesse momento, vamos necessitar que respeitem nossos direitos essenciais.