ARACAJU/SE, 31 de outubro de 2025 , 9:39:19

Quem repara os danos causados por canetas emagrecedoras ilegais

José Anselmo Oliveira

A circulação de canetas emagrecedoras fora das regras — importadas clandestinamente, falsificadas, manipuladas irregularmente ou aplicadas por pessoas sem habilitação — provoca danos à saúde e ao patrimônio de consumidores em todo o país. A reparação desses prejuízos envolve uma rede de responsabilidades que passa pela regulação sanitária, pela ação do Estado na saúde pública, pela investigação policial e pela fiscalização profissional.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária é o principal instrumento regulador. Cabe à Anvisa definir quais substâncias podem ser comercializadas, controlar importações, estabelecer exigências para farmácias magistrais e determinar medidas emergenciais quando há risco à população. Quando constata irregularidades, a agência aplica sanções administrativas, como multas e interdição, além de abrir processos que produzem provas técnicas essenciais para ações civis e penais. A atuação da Anvisa não repara financeiramente as vítimas, mas cria as condições para responsabilizar os responsáveis e evitar novos danos.

O Ministério da Saúde tem papel distinto: atua na dimensão de políticas públicas e organização da resposta assistencial. Não é órgão indenizador, mas coordena programas de atenção às vítimas, orienta a rede de serviços sobre protocolos de investigação de eventos adversos e pode, por meio de instâncias técnicas, influenciar decisões sobre acesso controlado a determinados tratamentos pelo SUS. Sua atuação é decisiva para garantir que quem sofreu dano receba atendimento médico adequado e documentação clínica necessária para buscar reparação judicial.

As delegacias de defesa do consumidor, as polícias civis e a Polícia Federal respondem pela apuração criminal e pela responsabilização dos envolvidos na cadeia de comercialização ilegal. Vendedores, aplicadores, operadores logísticos e importadores clandestinos podem responder por crimes contra a saúde pública, falsificação, receptação, contrabando e formação de organização criminosa. Investigações bem conduzidas resultam em apreensões, prisões e base probatória para ações de reparação civil, nas quais as vítimas buscam indenização por danos materiais, despesas médicas e danos morais.

Os conselhos de farmácia estaduais fiscalizam o exercício profissional e o funcionamento de estabelecimentos farmacêuticos. Quando há descumprimento de normas de dispensação, armazenamento ou guarda de receitas, os conselhos aplicam sanções éticas e administrativas a farmacêuticos e clínicas, podendo suspender registros e impor penalidades que afetam direta e indiretamente a possibilidade de reparação. Farmacêuticos que colaboram com vendas irregulares respondem perante seus conselhos, e essas sanções acentuam a responsabilização civil em processos movidos por vítimas.

A reparação civil costuma recair primeiro sobre os agentes diretos: clínicas, esteticistas, drogarias e vendedores que aplicaram ou comercializaram as canetas. O Judiciário pode condenar esses responsáveis a ressarcir gastos médicos, custear tratamentos futuros e pagar indenizações por danos morais. Em alguns casos complexos, onde se comprovem desvios em controles públicos ou omissão significativa na fiscalização, discute-se a eventual responsabilização do Estado, hipótese que depende de prova robusta de culpa institucional e de nexo causal entre a omissão e o dano sofrido.

A interação entre medidas administrativas, criminais e civis é o caminho prático da reparação. A Anvisa e os conselhos fornecem elementos técnicos e punitivos; as polícias instauram inquéritos e produzem provas criminais; o Ministério da Saúde organiza a resposta assistencial; e o Judiciário decide sobre a compensação financeira das vítimas. Essa articulação é, porém, frequentemente insuficiente: lacunas na fiscalização, demora nas investigações e dificuldade de acesso à justiça reduzem a efetividade da reparação.

Para ampliar a proteção e acelerar a reparação é necessário melhorar a troca de informação entre órgãos, agilizar a documentação clínica para vítimas, intensificar a fiscalização de anúncios e vendas em plataformas digitais e garantir que as sanções administrativas sejam dirigidas com rapidez aos pontos de venda e aos profissionais envolvidos. A conscientização pública sobre riscos também é ferramenta preventiva importante e facilita denúncias que alimentam investigações.

A responsabilidade pela reparação, portanto, é compartilhada: cabe aos agentes privados ressarcirem diretamente as vítimas nos casos de venda ou aplicação ilegal; cabe às autoridades sanitárias e de saúde prevenir, cortar o fluxo desses produtos e oferecer assistência; cabe às forças policiais responsabilizar criminalmente os envolvidos; e cabe aos conselhos profissionais punir desvios de conduta que aumentam o risco à população. Sem essa atuação coordenada, a reparação permanece fragmentada e as vítimas continuam expostas aos mesmos riscos.