ARACAJU/SE, 28 de maio de 2025 , 19:29:23

Reeleição, abuso de poder e o desafio de uma reforma eleitoral coerente

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal reconheceu, na semana passada, a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição que põe fim à reeleição para cargos do Poder Executivo, o que marca um importante momento de inflexão no eterno debate sobre a reforma política no Brasil.

Embora ainda se trate de um primeiro passo em uma longa tramitação legislativa, o gesto sinaliza a retomada de uma discussão essencial sobre os fundamentos do processo democrático e os limites do poder institucional.

Desde que foi autorizada pela Emenda Constitucional nº 16/1997, a possibilidade de reeleição para cargos do Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) tem sido acompanhada de sérios questionamentos quanto à sua compatibilidade com a isonomia eleitoral. O cerne do problema está na assimetria entre os candidatos à reeleição, que permanecem no exercício de suas funções, e os demais concorrentes, sujeitos às restrições comuns do processo eleitoral. Essa desigualdade de condições tem propiciado, reiteradamente, práticas de abuso do poder político – em especial, o uso indevido da máquina pública em benefício próprio.

O quadro se agrava quando se considera que, diferentemente dos demais candidatos, os chefes do Executivo em busca da reeleição não precisam se desincompatibilizar do cargo, o que potencializa o desequilíbrio da disputa. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, desde a primeira reeleição presidencial em 1998, consolidou essa exceção, ignorando o espírito do §6º do art. 14 da Constituição, que visa justamente impedir a sobreposição entre funções públicas e interesses eleitorais. Assim, mesmo com a existência de um elenco de condutas vedadas na Lei nº 9.504/1997, o controle efetivo das práticas abusivas ainda se mostra insuficiente, sobretudo em contextos de menor vigilância institucional e social, como ocorre em muitos municípios.

É nesse ambiente que ganha força a reflexão sobre a necessidade de revisão do instituto da reeleição. É imperioso reconhecer, após tantos anos de vigência do instituto e de sua aplicação prática, que mecanismos institucionais como a reeleição podem desvirtuar-se e produzir efeitos contrários à sua intenção original e abstrata: a promoção da estabilidade e da continuidade administrativa.

A proposta em análise vai além do fim da reeleição. Inclui a extensão dos mandatos para cinco anos e a unificação das eleições em todas as esferas – federal, estadual e municipal. Essa última mudança, frequentemente justificada por razões de economia de recursos, suscita preocupações relevantes. A concentração de todas as disputas eleitorais em um único pleito pode comprometer a qualidade do debate público, dificultando a compreensão das pautas locais, sufocadas pelas campanhas de maior visibilidade. Ademais, pode prejudicar a educação política progressiva dos eleitores, ao limitar as oportunidades de envolvimento cívico periódico e ao enfraquecer a dimensão pedagógica do processo eleitoral.

Também não se pode perder de vista que, até o momento, o que se tem é apenas a admissibilidade da proposta, ou seja, a não detecção, por parte da CCJ do Senado, de qualquer mácula de inconstitucionalidade. De fato, nos termos em que aprovada, não parece haver qualquer tendência de abolição de cláusulas pétreas da Constituição. O instituto da reeleição não é um direito fundamental, e sua eliminação, obedecidos os trâmites constitucionais, está dentro das margens de deliberação legítima do Congresso Nacional.

O que está em jogo, portanto, é mais do que uma mudança tópica nas regras do jogo eleitoral: é mais uma oportunidade de reavaliar os alicerces do sistema representativo brasileiro. Se conduzido com responsabilidade e diálogo plural, esse processo pode contribuir para fortalecer a igualdade de condições nas disputas e aprimorar a integridade do processo democrático.

A revisão da reeleição, longe de ser um fim em si mesma, deve ser parte de um esforço mais amplo por uma reforma política que promova a justiça eleitoral, a representatividade e a efetiva participação da cidadania. Que esse debate não se limite a ajustes cosméticos, mas enfrente, com seriedade, os desafios estruturais que ainda comprometem a vitalidade da nossa democracia.