ARACAJU/SE, 19 de julho de 2025 , 3:23:41

Repúdios

Indo ao Rio de Janeiro, na última quarta-feira, a trabalho, dei sequência à leitura do livro “As Cruzadas Vistas Pelos Árabes”, uma obra extremamente instigante, de autoria do escritor Amin Maalouf, francês de origem árabe, que ocupa, desde 2011, a cadeira que pertenceu a Claude Lévy-Strauss, na Academia Francesa. Romancista e historiador, seus livros já foram traduzidos para mais de 50 idiomas.

As guerras de religião foram – e, talvez, ainda o são – muito perniciosas. Mata-se em nome de Deus, de Alá ou de outras divindades espalhadas pelo denominado mundo pagão, denominação, claro, dos cristãos, enquanto, por exemplo, na forma do Alcorão, os não muçulmanos são chamados “infiéis”. As ditas “Cruzadas”, foram, sim, guerras de religião, embora houvessem muitas outras causas políticas, sociais e econômicas por trás delas. As guerras entre católicos e protestantes também foram indubitavelmente terríveis. Não menos asquerosas foram as perseguições, desde a Colônia, que se fizeram aos originários da África e seus descendentes, no Brasil.

Desses embates, daqui ou de alhures, restaram acentuados focos de ranços que teimam em persistir, de um ou de outro modo, por vezes denotando resquícios de ódio ou, no mínimo, de impulsos desastrados.

Pegando um táxi, de Copacabana a Ipanema, a fim de almoçar, eis que o taxista, ao perguntar de onde eu era, e ao lhe responder, se disse membro da Assembleia de Deus, e que o seu pastor era sergipano. Eu lhe disse que era padre. Ele respondeu que um de seus melhores amigos é um padre, cuja Paróquia fica perto de sua casa. A conversa continuou amena até que cheguei ao meu destino, na Rua Prudente de Morais.

Eu tenho amigos protestantes, alguns pastores, espíritas kardecistas, judeus e, até mesmo, como amiga no Facebook, uma muçulmana convertida. Tenho amigos agnósticos e ateus, aliás, muito queridos. Não somos todos da mesma raça, a raça humana? Não habitamos a mesma “casa comum”, como bem o diz o Papa Francisco? Não seremos, então, todos irmãos? Porém, há ranços que teimam em persistir, vindos de muitos lados.

Na internet, vi comentários e repúdios dirigidos contra a fala da presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM), Sra. Iza Moura, por ter a mesma feito um pronunciamento deveras inconsequente, ao menos em parte, no último dia 6, no Plenário da Câmara de Vereadores de Aracaju, quando ali se debatia sobre o “Dia Municipal de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência Contra as Mulheres”. A fala foi repudiada, dentre outros, pelos pastores Léo Rocha e Eduardo Lima, vereadores, respectivamente, em Nossa Senhora do Socorro e Aracaju, bem como pela AJUCAT – Associação de Juristas Católicos da Arquidiocese de Aracaju.

Em seu pronunciamento, a Sra. Iza Moura, adepta de religião de matriz afro-brasileira, disse o seguinte: “Falou muito em igreja aqui, hoje. Mas, a igreja é um dos ambientes que mais violentam as mulheres, são os pastores, são os padres…”[…]. “O terreiro tá de portas abertas para curar essas feridas que a igreja [causou]”.

Nessa parte da fala, a Sra. Iza Moura foi, de fato, muito infeliz. Inconsequente, sim. As inconsequências, quando se tratam de questões religiosas, ainda hoje, no Brasil, continuam a vir de muitos setores, de diversas denominações religiosas. O perdão pregado por Jesus Cristo não entrou no coração de muitos cristãos, nem de outros segmentos religiosos, porque, enfim, uma religião ou uma filosofia religiosa, uma ou outra dita séria, não haverá de desprezar o amor e o perdão. A misericórdia.

Todavia, o que é profundamente lamentável, os embates religiosos continuam. Cada segmento sente-se mais importante ou mais perto da Divindade, ou das divindades que professa. Uma lástima. Se os cristãos que dizem crer no mesmo Deus, cada um ao seu modo, não se entendem, imagine-se o entendimento entre cristãos e não cristãos. O que falta, então? Caridade, na versão latina. Falta amor fraterno. Solidariedade. Compreensão. Respeito mútuo.

Certa vez, na Assembleia Legislativa, eu e o padre Adriano fomos representar a Arquidiocese de Aracaju, numa audiência pública sobre o ensino religioso na escola pública, quando uma mãe-de-santo, ao pronunciar-se disse que não entendia como os católicos adoram a um Deus pregado na cruz. E arrematou: “Isso é uma coisa sórdida”. Se um católico tivesse dito que uma imagem de Iemanjá (sem querer fazer comparação) era uma “coisa sórdida”? Ou se dissesse que o “pepelê” ou “congá” era uma “coisa sórdida”? Qual seria a reação daquela mãe-de-santo?

Falta bom senso e, por vezes, respeito a muita gente, como faltou, no dia 6, à Sra. Iza Moura. Creio, por mais problemas que a Igreja Católica e as denominações Protestantes possam ter, e, deveras, todas podem ter, jamais se poderá afirmar, genericamente, que “padres e pastores” violentam as mulheres, nos seus afazeres religiosos. E se o “terreiro” está de portas abertas para curar feridas, por certo estas não emanam de violências praticadas pelos religiosos cristãos, no geral.

A senhora Iza Moura foi, decerto, muito infeliz em sua fala. Que os repúdios a ela dirigidos, possam fazê-la refletir e desculpar-se, se, para tanto, tiver coragem e humildade para redimir-se. Do contrário, ficará o dito pelo não dito.