ARACAJU/SE, 29 de junho de 2025 , 2:55:32

Retratos da esquina e adjacências

No primeiro grupo, coloco três pessoas: a mãe, morena, cabelo despenteado, roupa desgastada, descalça, papelão na mão a suplicar por uma ajuda a fim de matar a fome; ao seu lado, a filha, de uns sete anos, magra e esperta, a formular o pedido de esmola; o terceiro, que pode ser o marido ou companheiro, carrega a garrafa de água e instrumento de limpar para-brisas. O segundo grupo, mais numeroso: três crianças, entre cinco e três anos; a irmã, de uns oito ou nove anos, que ainda chupa bico; a mãe, com a gravidez bem acentuada, e, finalmente, o marido, que se mantém afastado. A tarefa de pedir esmola é dos filhos, ou, para ser mais preciso, da menina mais velha, isto é, a que porta bico. Os três irmãos, bem alegres, se deleitam em brincar, correndo um atrás do outro. A mãe se mantém próxima dos filhos mais novos.

Não fica só aí. Há uma dupla interessante: ela, magra, quase osso coberto da pele, a boca despida de dente, a tratar todo mundo de amorzinho; ele, perna direita amputada, com duas muletas. São os mais frequentes. Também uma senhora, já de idade, que fica sempre do lado da calçada do canal. Ia esquecendo de um rapaz, que só chega à esquina no período da tarde – nunca mais o vi -, o olhar avermelhado a estampar sonolência, a voz pausada a mendigar.

Muitos outros passaram e passam. A senhora, de idade, que trocava de roupa na rua paralela, a fim de se apresentar com trajo velho, o quadro na mão de uma jovem, cuja imagem o tempo tinha consumido; o homem alto, o olhar morto, a passada lenta. Ainda o velho que dormia num papelão, do outro lado do canal, a contar as moedas que recebia e, com elas, trocar na farmácia por uma nota só; depois, a ida ao supermercado da esquina a fim de comprar queijo cremoso. Incluo um cidadão, que não apresenta nada de deficiência, a se mover entre os carros, se dirigindo a todos, com intimidade, na busca da desejada moeda.

Estou centralizado em apenas uma esquina. Há centenas de esquinas, a ostentar, em sua maioria, seus pedintes. Ainda as feiras livres, muitas quais o mendicante, a ferida exposta, a cuia na mão; os supermercados, onde a mãe fica na porta e solta os filhos a pedir isso e aquilo. Não é  relatório, nem crônica, nem denúncia. É apenas o retrato da miséria que acampa a nossa frente.