ARACAJU/SE, 11 de maio de 2025 , 8:05:19

Sangue na praia

A sucessão de Epitácio Pessoa (1865-1942) na presidência da República foi especialmente agitada. Desde o começo, ele realizou um governo de confrontação com os militares, escolhendo seus ministros da Guerra, Pandiá Calógeras (1870-1934) e da Marinha, Raul Soares (1877-1924), entre civis. Além disso, Epitácio não era mineiro, nem paulista, mas paraibano, o que enfraquecia o seu capital político para a definição do mandatário subsequente.

Em meados de 1921, Pessoa não exercia a liderança política do processo sucessório. Nesse momento, fizeram-se os acordos para as eleições do ano seguinte. Após negociações, a maioria dos oligarcas entendeu que Minas Gerais teria a prerrogativa de fazer o presidente do Estado, Artur Bernardes (1875-1955), o indicado como candidato presidencial situacionista, em 1922. Bahia e Pernambuco brigaram pela indicação do vice-presidente. A escolha recaiu, porém, no maranhense Urbano Santos (1859-1922). Isso tudo se consumou em uma convenção ocorrida em 8 de junho de 1921.

Desagradados, os Estados preteridos formaram um grupo designado “Reação Republicana”. Nilo Peçanha (1867-1924), maior nome da política fluminense naqueles idos, ex-presidente da República, saiu candidato à presidência, com o baiano J. J. Seabra (1855-1942) como seu vice.

A campanha para o Catete foi aguerrida. Os jornais mais importantes posicionavam seu noticiário em favor dos oposicionistas. O discurso de oposição atraia militares e a classe média emergente. Notava-se em Nilo Peçanha a tendência a uma retórica populista, apta a atrair os operários, um segmento social então em crescimento.

Eis que, em plena refrega, em outubro de 1921, adveio o episódio das cartas falsas. Atribuídas a Arthur Bernardes, essas cartas ofendiam a classe militar e, mais de perto, ao marechal e ex-presidente Hermes da Fonseca (1855-1923). Bernardes negou a autoria das missivas. 

A opinião pública dividiu-se acerca da autenticidade dos textos, que foram publicados no Correio da Manhã. O Clube Militar fez uma investigação, mas, em dezembro de 1921, chegou a um resultado que classificava o texto de autêntico, mas não em caráter definitivo. Deixava ao tribunal da opinião pública o julgamento. Mais tarde, já em 24 de março de 1922, pouco depois da votação, ficou esclarecido que eram cartas falsas. Dois falsários, Oldemar Lacerda e Jacinto Guimarães, confessaram, em cartório, a autoria do embuste. Mas o estrago na reputação de Bernardes estava feito. Eram as “fake news” estreando nas eleições presidenciais.

As eleições foram realizadas em clima de tensão, em 1º de março de 1922. O resultado foi de vitória situacionista. Bernardes foi declarado eleito com 466.972 contra 317.714 de Peçanha. Urbano Santos teve 447.595 contra de 338.809 de J.J. Seabra.

A oposição denunciou fraudes. Exigia um “tribunal de honra” (a formação de uma comissão de arbitragem). O Clube Militar apoiou a iniciativa. A imprensa reverberou a acusação de distorção dos votos, que, ao que tudo indicava, era verdadeira, como em todas as disputas anteriores. 

Em meio a essa agitação, realizou-se uma reunião, em 1º de maio, no Palácio do Catete. Próceres da política nacional, do lado situacionista, compareceram para ouvir o diagnóstico político de Epitácio Pessoa. Após o presidente sugerir que o Exército o aceitaria, mas Artur Bernardes não conseguiria tomar posse, e insinuar a possibilidade de guerra civil, propondo que ele próprio continuasse presidindo o país (um golpe de estado, portanto), o pequeno comitê se desfez aos poucos, alegando o avançado da hora. Esfriou-se, assim, o autogolpe que se cogitava.

As coisas ainda se complicariam. Com a morte de Urbano Santos, em 7 de maio, a oposição reclamou o direito de J. J. Seabra ser empossado. O Congresso, no entanto, não entendia assim. A matéria foi ao Supremo Tribunal Federal que declarou que havia a necessidade de nova eleição de um vice-presidente. Renovou-se o nome de J. J. Seabra, pela oposição. A escolha situacionista recaiu sobre o pernambucano Estácio Coimbra (1872-1937). Venceu este a eleição realizada em 20 de agosto, com 295.787 votos contra apenas 790 do concorrente.

A temperatura política subia. Espocaram conflagrações. Após as eleições estaduais de Pernambuco, ocorridas em 27 de maio, o Clube Militar teve seu fechamento determinado. Hermes da Fonseca, que era seu presidente, foi preso, em 2 de julho, porque havia aconselhado ao comandante militar de Pernambuco a se abster de intervir em um conflito regional, resultante dessas eleições para o governo local. 

Os militares, em resposta, planejaram uma rebelião em quartéis de diversos lugares do país. Frustrada em quase todos os locais previstos, resumiu-se o levante ao Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922. A ausência de sucesso em sublevar a caserna resultou em uma rebelião localizada. Nem por isso, menos apaixonada. Os revoltosos – que ficaram conhecidos como os “18 do Forte” – saíram pela Avenida Atlântica, em direção ao Catete. Em missão suicida, enfrentaram mais de mil homens das forças do governo que pretendiam derrubar. Por mais de uma hora combateram até que, ao final da peleja, dizimados, apenas dois rebeldes sobreviveram, feridos: Eduardo Gomes (1896-1981) e Siqueira Campos (1898-1930). Ambos seriam expoentes da política nacional nos anos seguintes.

Enquanto a tensão não diminuía, aproximava-se o momento da posse e era temida uma nova insurreição militar. Bernardes, apesar das resistências e desconfianças, acabou empossado na data marcada, 15 de novembro. Seu governo foi tumultuadíssimo e poucos presidentes possuem no currículo tantas mortes de brasileiros nas costas. A repressão às revoltas que enfrentou deu-se à base de violência inclemente, especialmente em São Paulo, em 1924. A Constituição de 1891 foi emendada para suprimir garantias civis. Foram quatro anos inteiros de gestão em estado de sítio.

A República Velha estava agonizando, mas a renitente vocação autoritária dos governos nacionais revelava-se em viçoso desenvolvimento.