ARACAJU/SE, 9 de maio de 2025 , 21:11:15

Um boi chamado Confusão

Raimundo marchante não era crédulo com situações que tinham a ver com figurações irreais, como adivinhas, simpatias, feitiços, milagres ou coisas afins. Costumava dizer: “Só creio no que vejo e nas bênçãos de Papai do Céu. O resto é conversa pra boi dormir”.

Era no tempo em que muitos bois eram criados no pasto, no arranhento, desde bezerro novo. Um ou outro se fazia boi graúdo, sem nunca alguém ter lhe passado uma corda ao pescoço. Esses eram criados no mato, no carrasco, nas embiras, no espinho de bode, bichinho infeliz para cortar. Arrancar um boi nessa condição, do meio do mato, exigia bom vaqueiro, de todo encourado, para vencer os arranhentos, os espinheiros.

Às vezes, o dono de algum boi desse tipo juntava um magote de gente para ver quem dava conta de trazer o bicho laçado e amarrado no arção da sela. Até prêmio tinha. Foi o que ocorreu naquela terça-feira de abril, quando Oscar Andrade quis saber quem era o bom para trazer um boi mestiço, muito azougado, que jamais vira corda ou curral. O nome do boi era Confusão. Já bastava. Cria de uma vaca taurina, enxertada por um pé-duro de boa arcada, Confusão foi criado literalmente no matagal do dono. Ninguém jamais lhe pusera a mão. Quando Oscar deu fé do bezerro, já ele era um mamote de dez arroubas. Deixou ficar naquele estado de quase selvageria.

Naquela terça-feira, Oscar Andrade também queria tirar a prova do que diziam sobre o velho Jonas Carreiro, negro modesto, que, dizia-se por todo canto, tinha boas relações com os encantados e outras entidades do gosto do seu povo. Dizia-se que onde ele botasse o pé, não havia animal que lhe fugisse. Amarrava o bicho pelo rastro com benzeduras e ervas em defumação.

Raimundo Marchante não botava fé nesse tal poder do sogro. Até já tivera com ele um pequeno arranca-rabo por causa disso. Como muitos outros curiosos, ele foi ao matagal de Oscar Andrade, para a pega do boi Confusão. Homens, cavalos e cães não faltaram. Uma festa. Das 9 horas da manhã e até as 3 da tarde, ninguém tinha dado conta do boi. Cavalos esbaforidos, cães cansados, cavaleiros com boas doses de pinga no bucho, mas nada do boi.

Alguém, por volta do meio-dia, perguntou por Jonas Carreiro. Ninguém tinha notícia dele. Uns diziam que viram o cavalinho vermelho dele em arrancada para depois do riacho. Outros, que ele tinha ficado para trás, em rezas e coisas dessa natureza. Houve até quem dissesse que o tinha encontrado a caminho de casa. Teria desistido?

Raimundo Marchante, este, sim, tomou o rumo de casa, por volta das duas da tarde. Dia perdido. Boi perdido. “Não tá vendo que seu avô não tem poder nenhum? Cadê? Ninguém sabe notícia dele, nem do boi”, disse ao filho mais velho, enquanto desmontava. Estava com fome. A rabada borbulhava na panela. Tomou banho. Sentou-se à mesa. Não quis feijão nem arroz. Uma farofa com a grelha da rabada. Um molho de pimenta malagueta. Uma jarra de suco de jenipapo.

Satisfeito, Raimundo foi sentar-se embaixo da amendoeira em frente à casa. Cadeira de balanço. Lá pelas cinco da tarde, enquanto um caboclinho se esgoelava de cantar no bananal do quintal de Maritaca, um alvoroço, uma algazarra, um tropel de cavalos. Eram as pessoas que estavam atrás do boi Confusão, no matagal de Oscar Andrade. À frente do tropel, vinha Jonas Carreiro, no cavalinho vermelho. Amarrado no arção da sela, o boi Confusão de focinheira baixa. Passando pelo genro, o velho carreiro tirou uma baforada do cachimbo e gritou: “Eh! O velho tá aqui. E Confusão tá aqui também”. Raimundo Marchante balançou a cabeça: “Esse velho é presepeiro”, disse ao filho mais velho.